“CABELO”: A peça teatral que desconstrói e liberta
Partilhando empoderamento e liberdade, a peça de teatro “CABELO”, a nova criação da Companhia de Teatro de Sintra, que estreia a 14 de dezembro, na Casa de Teatro de Sintra, reflete sobre a autoperceção e o sentimento identitário, emergindo pelos caminhos (desafiantes!) do bullying, da pressão social, do racismo e da autoestima.
Em entrevista, Yeri Varela e Susana C. Gaspar, Diretoras Artísticas, contam-nos a história de um cabelo, que “ressoa em muitas outras“.
“Querido, cabelo. Já passámos por tanto. Críticas, puxões, químicos, cortes, big chops, que nos magoaram imenso. Mas, hoje, somos livres. Somos liberdade”. Que camadas compõem “CABELO”?
Susana C. Gaspar: A citação já é muito reveladora. Partilhamos em cena a jornada pessoal sobre um cabelo, desde a infância, passando pelo momento desafiante da adolescência, até à consolidação da confiança e autoestima da Yeri. Mas, não é somente a sua história… É, sim, uma narrativa que ressoa em muitas outras, recorrendo a diversos testemunhos, partilhados em áudios ou vídeos, que complementam as suas vivências e revelam camadas sobre a discriminação e o racismo.
Criado a partir de vivências pessoais, o espetáculo desabrocha de que vontade?
Yeri Varela: “CABELO” sucedeu à minha participação no projeto “SenteMente”, do Chão de Oliva, que originou “Mentes que Sentem”, referente à Saúde Mental das mulheres, onde tive a oportunidade de dialogar sobre o racismo sistémico, o sentimento de não pertença e, principalmente, o estigma com o meu cabelo crespo. Posteriormente, fez sentido aprofundar a temática e… Surgiu o convite.
Susana C. Gaspar: Existe uma forte ligação aos projetos de mediação cultural do Chão de Oliva, tanto do “SenteMente”, na origem da ideia, como do PARTEJ – Práticas Artísticas para o Empoderamento Juvenil, onde, também, foram recolhidos testemunhos sobre a vivência do cabelo. A ilustração que deu origem ao cartaz, por exemplo, foi igualmente criada pela Yeri Varela, a propósito de uma proposta criada no “Coletivo PARTEJ”, com jovens participantes neste projeto. Há uma vontade de sermos relevantes para vários públicos, chegarmos mais próximo à comunidade que nos rodeia e gerarmos novas motivações para que os jovens nos visitem na Casa de Teatro de Sintra. Sentimos, cada vez mais, a necessidade de provar que o Teatro é relevante. E defendemo-lo dessa forma.
Bullying, pressão social, racismo e autoestima. Que exigências são colocadas?
Yeri Varela: Visto serem os jovens o público-alvo, acredito que seja crucial estimular a reflexão sobre determinadas atitudes, promovendo a empatia e contribuindo para a construção de uma sociedade menos preconceituosa.
Susana C. Gaspar: Não podemos tocar nestas temáticas de forma leviana. São temas profundos, que deixam marcas profundas. O facto de partirmos de uma história pessoal – que se transforma numa história coletiva -, contribui para que seja tratada com a profundidade e empatia que merece.
A partilha do sentimento de pertença, empoderamento e liberdade são imperiosos durante a narrativa. Consideram o preconceito consciente?
Susana C. Gaspar: No guião são abordadas essas questões e dizemos que nem sempre o preconceito é consciente e, mais do que isso, ele é aprendido. Ninguém nasce preconceituoso, ninguém nasce a aprender a discriminar. Tudo é aprendido. E da mesma forma que se aprende (de forma mais ou menos consciente) a rejeitar o outro (por ser diferente de nós ou por qualquer outro motivo), também se aprende a importância do respeito, de valorizar a diversidade, de defender os direitos humanos de todas as pessoas. Este espetáculo é também uma tentativa para despoletar esta reflexão, sobretudo junto dos jovens. Por vezes, para um impulso à mudança não é preciso muito. Teremos também as conversas com o público de estudantes, após a apresentação do espetáculo, de forma a consolidar algumas reflexões e sentimentos.
Como é que é contemplar o Teatro como Diretoras Artísticas?
Yeri Varela: Acredito que esta peça vai sensibilizar principalmente o público não negro para a existência do preconceito consciente, através da apresentação dos desafios que eu e muitas mais pessoas negras passam no seu dia-a-dia. Apesar de todos os desafios vivenciados e apresentados, o objetivo da peça não é mostrar só o lado mau, é também passar aquele sentimento de poder, pertença e liberdade. Mostrar que apesar de todos os desafios conseguimos passar por cima, que existem formas de ir contra o preconceito e de nos sentirmos pertencentes, seja ouvindo, conversando ou agindo.
Susana C. Gaspar: É um privilégio poder ocupar este lugar e utilizá-lo para criar sobre temas que são relevantes para a sociedade. Está a ser muito bom partilhar este processo criativo com a Yeri.
Até chegar, finalmente, à versão final do projeto, como foi o processo de criação?
Susana C. Gaspar: Primeiramente, foi unir os vários pedaços de histórias. Depois, estruturar o guião, conforme a dramaturgia, e testar o texto em cena, ajustando e trabalhando em jogos cénicos. A criação artística é sempre maravilhosa, independentemente dos seus desafios, altos e baixos.
Com estreia a 14 de dezembro, o que podemos ansiar?
Susana C. Gaspar: Um espetáculo muito bonito, poético e forte, que nos tocará de alguma forma e com o qual será fácil de nos identificarmos. Ensina-nos a ter mais empatia no dia-a-dia e, sobretudo, a ter um maior cuidado com o nosso discurso, quando abordamos os atributos físicos de alguém.