Entrevista Isabel Moço, co-autora do livro “Trabalho remoto e experiência do trabalhador”
Com a pandemia a expressão “trabalho remoto” massificou-se e manteve-se ao longo dos últimos anos como modelo alternativo e/ou complementar, mas esta modalidade de trabalho não é recente. Para quem gere pessoas há novos desafios que se impõem, fruto das mudanças dos processos de trabalho e, para manter ou melhorar a produtividade das organizações, é preciso entendê-las, estudá-las para reconfigurar a forma de liderar e tornar esta experiência satisfatória para todos os envolvidos. As professoras Isabel Moço e Helena Santos da Universidade Europeia, em coordenação, lançaram o livro Trabalho remoto e experiência do trabalhador, a fim de ajudar as organizações a compreenderem e ultrapassarem os desafios inerentes à adoção desta modalidade. Estivemos à conversa com a professora Isabel Moço.
Como surgiu a ideia ou a necessidade de escrever sobre trabalho remoto e experiência do trabalhador?
Este livro surge de um trabalho que tem vindo a ser feito desde 2020. Com o início da pandemia, acabei por ser convidada por uma estação de televisão para ir falar sobre o tema e apesar de, à época, eu já estudar esta temática, não tinha dados concretos, nem dados sobre a realidade portuguesa. Nesse momento, realizei um pequeno questionário que chegou rapidamente às 2.000 respostas, pelo que entendi que havia interesse no tema, mas também desconhecimento. Posteriormente, fui desafiada pela Universidade Europeia para estruturar um programa de Pós-Graduação que trabalhasse sobre a temática. Nessa altura estávamos em confinamento, realizávamos o nosso trabalho a distância e a realidade é que ninguém sabia bem como haveria de acomodar esse novo formato de trabalho, imposto repentinamente pelas circunstâncias. Decorridas três edições do programa de Pós-Graduação, chegámos à conclusão de que estávamos a trabalhar processos e orientações para a prática dos quais as pessoas tinham, de facto, necessidade, mas não tinham literatura disponível em português nem realizada em Portugal. Na sequência de todas estas circunstâncias, dos estudos que foram realizados em 2020, 2021 e 2022 e do programa, surgiu o livro.
“(…) no final de 2020, os estudos incluindo teses de mestrado e de doutoramento dispararam sobre estas temáticas, o que revela a falta de literatura existente, mas também o interesse crescente.”
Nesses três anos (2020, 2021 e 2022) o que é que tem vindo a mudar no trabalho remoto e na forma de percecionar este modo de trabalhar?
Em 2020 havia um desconhecimento sobre como fazer a adoção deste modelo de trabalho, porque não havia a experiência prévia. Na nossa legislação, trabalho remoto designa-se de teletrabalho e, apesar do que se possa pensar, este não é uma novidade! Foi proposto há cerca de 50 anos, por Jack Nilles, a propósito de questões ambientais, devido ao elevado número de pessoas que se deslocam para os centros das cidades para trabalhar. Contudo, sempre houve muitos receios e dúvidas, nomeadamente acerca do empenho que o trabalhador a distância coloca nas suas tarefas diárias. Apesar da resistência, com a pandemia não havia alternativa ao trabalho remoto e logo nessa altura, as pessoas concluíram que se sentiam mais produtivas e davam nota disso. Por um lado, trabalhavam mais tempo, pois não perdiam tempo em deslocações e por outro, o trabalho remoto permite uma organização familiar mais flexível, o que também se traduz em mais tempo disponível e um maior bem-estar do trabalhador. Nesse momento de transição, a grande dificuldade era como trabalhar na prática através deste regime, pois as lideranças não estavam preparadas para liderar remotamente, os trabalhadores não sabiam bem como se organizar remotamente e os próprios processos de trabalho estavam desajustados a este recente método de trabalho. Esta transição que foi forçada pelas circunstâncias, foi efetivamente muito complexa, devido a todos os reajustes que precisaram de ser feitos. Atualmente, começamos já a ouvir o inverso: muitas organizações voltaram ao escritório. Porquê? O livro surge também por isso. Na minha opinião muitas organizações regrediram na adoção do trabalho remoto, voltando ao escritório, porque não souberam acomodar convenientemente aquilo que o trabalho remoto implica, nomeadamente a preparação das pessoas. Uma nota importante a ter em conta é que nem todas as profissões são teletrabalháveis, nem todas as atividades ganham com este método e em atividades de componente criativa, corporativa e industrial há ressentimentos com a adoção deste modelo. Contudo, o livro é uma prova de que é possível trabalhar remotamente, inclusive, os vários intervenientes do livro conheceram-se apenas no dia do seu lançamento e trabalharam sempre de forma colaborativa. Acrescento apenas um outro aspeto que deve ser tido em conta e que muitas vezes passa despercebido: nem todas as pessoas têm perfil personalístico para trabalhar remotamente e este aspeto é fundamental! Pessoas com baixa autoestima, tendência para o isolamento, tímidas, etc., são pessoas com muita dificuldade em adaptar-se ao trabalho remoto.
“Quando uma organização desenha ou redesenha processos de trabalho, deve acomodar todos os cenários que possam acontecer e ter em conta as necessidades de cada trabalhador e as necessidades de cada função ou profissão.”
Do ponto de vista das lideranças, o que é que muda para os gestores a distância e quais os aspetos a ter particular atenção na adoção do trabalho remoto?
Há duas competências fundamentais: planificação/organização – É preciso estar tudo muito organizado para que haja a autonomia e a autogestão que o trabalho remoto pressupõe e isso deve ser previsto e planeado pela liderança. Por último, a comunicação. Na altura do confinamento começou a falar-se do “cansaço Zoom” e isto surgiu devido à pressão feita pelas gestões, para conseguirem estarem permanentemente a acompanhar tudo o que as pessoas faziam e isto é algo típico da cultura latina. A realidade é que este modelo de trabalho é igualmente válido, desde que haja uma boa comunicação não só na transmissão das tarefas, como na avaliação do estado de espírito das equipas e nas condições que cada pessoa tem para realizar as suas funções. É preciso haver uma estratégia global pré-definida para que haja sucesso, adotar este método, só porque agora está na moda, poderá não dar bom resultado.
Falando na necessidade de comunicação e controlo por parte das lideranças, devem ser estas a confiar mais nos trabalhadores ou devem ser adotados softwares de monitorização do trabalho dos teletrabalhadores?
Os nossos estudos revelam algo muito curioso: todos os valores negativos em relação à adoção do trabalho remoto estão em quem tem posição de chefia e quanto maior a equipa, maior a resistência. Muitas das questões relacionadas com a gestão de pessoas estão nas chefias intermédias e diretas e aqui encontram-se muitas das resistências a este regime. Na sabedoria popular diz-se, ainda, “patrão fora, dia santo na loja!” e o que é facto é que em teletrabalho estas ameaças são maiores para quem lidera e gere. De um modo geral, há sempre resistências ao que é novo, a sair da zona de conforto, isto é próprio da condição humana, mas há que ler, estudar e aprofundar os temas para perceber se vale a pena resistir ou não. Com o aparecimento de estudos, estas ideias têm tendência para se irem alterando. Para termos uma ideia, no final de 2020, os estudos incluindo teses de mestrado e de doutoramento dispararam sobre estas temáticas, o que revela a falta de literatura existente, mas também o interesse crescente. Uma coisa é garantida: Não vamos fazer retrocessos neste processo de adoção de trabalho remoto, já tivemos esta experiência.
A propósito do insucesso do teletrabalho falou-se na altura do fenómeno de desmotivação dos colaboradores e, por consequência, da redução da sua produtividade. Como é que as organizações podem precaver esta situação?
Esta é a pergunta do milhão de dólares! É preciso desconstruir algumas ideias: O que é a motivação? É a razão que nos leva a fazer alguma coisa. Desta ação resulta satisfação ou insatisfação e este é um ponto importante a considerar.
Por outro lado, uma coisa é o formato de trabalho e outra são as práticas. Dentro desta última há uma variável determinante: os comportamentos e atitudes das pessoas e é a isso que nos estamos a reportar: Dentro do mindset de cada trabalhador, como é que se acomoda a concentração e dedicação a 100% de cada teletrabalhador, apesar de todos os seus fatores externos, como por exemplo, a máquina da roupa apitar, porque já terminou o ciclo? Apesar dos aspetos que levam cada organização a adotar o teletrabalho, até que ponto as pessoas retiram realização do trabalho que desenvolvem? É preciso considerar as condições e o perfil de cada pessoa para realizar trabalho remoto. Estes são exemplos de algumas arestas que ainda são necessárias amadurecer e para isso acontecer, é imperativo que exista flexibilidade. Quando uma organização desenha ou redesenha processos de trabalho, deve acomodar todos os cenários que possam acontecer e ter em conta as necessidades de cada trabalhador e as necessidades de cada função ou profissão.
“Para sermos absolutamente produtivos, precisamos de nos sentir bem onde estamos, – todos nos lembramos das videochamadas em que alguém tinha os filhos ao lado aos pulos ou que estavam a trabalhar num canto da cozinha -, estar 8 horas a trabalhar nestes ambientes não só se torna-se muito mais desgastante como existe muito menos produtividade.”
A título de exemplo vamos considerar o seguinte cenário: um teletrabalhador inadaptado ou insatisfeito com este processo de trabalho, adotado a 100% pela sua empresa, e com o qual os seus colegas estão aparentemente satisfeitos. O que deve este teletrabalhador fazer? Um esforço de adaptação ou comunicar a situação à sua chefia?
Respondo pela minha experiência, mas sem ter estado nesse papel e sem haver ainda estudos suficientes, para saber como pode um teletrabalhador reverter a sua situação e quais são as vantagens e desvantagens destes dois métodos de trabalho. Há uma grande dificuldade com a qual as empresas terão de aprender a lidar: equidade e perceção de justiça organizacional. Vamos considerar um exemplo prático: Um trabalhador do departamento de Comunicação na área da Indústria que prefere o teletrabalho e as suas funções permitem-no, contudo, esta empresa tem 1.000 trabalhadores de chão de fábrica e estes nunca poderão trabalhar remotamente. Este é um dilema que eu sinto que as empresas começaram a ter e a sentir dificuldade em solucionar. Por mais que haja políticas de equidade, as pessoas ficarão sempre com a sensação de que há vantagens do outro estar ou não a trabalhar remotamente. Não há nem pode haver igual distribuição de oportunidades, especialmente em organizações que pressupõem, inevitavelmente, trabalho presencial. Na área das Tecnologias, todos os profissionais reportam que, das primeiras perguntas a serem feitas em entrevistas é se o trabalho é remoto ou não. Efetivamente, este setor está a desenvolver estratégias muito interessantes para lidar com esta situação, até porque foram eles os primeiros a desenvolver este método de trabalho e os primeiros a mostrar as suas vantagens. É tudo uma questão de avaliar os prós e os contras para cada situação e realidade.
Em termos de tendência baseada nos estudos que fez e na sua experiência, o que prevê que irá acontecer nos próximos anos em termos de evolução do trabalho remoto?
Prevejo que ainda será necessário experimentar e testar mais. Em termos de gestão, por força da pandemia, provou-se que era possível gerir à distância e, inclusive, que daí provinham resultados. Há, inclusive, algumas economias que resultam da adoção deste modelo. Prevejo que o trabalho irá evoluir para modelos alternativos e aqui incluem-se o remoto, – na definição designa-se trabalho remoto, toda e qualquer situação em que o trabalhador desempenha as suas funções fora do seu local habitual de trabalho -, o híbrido ou até a semana dos 4 dias. Há 100 anos discutia-se a semana dos 5 dias e também havia resistências, mas implementou-se até hoje. Agora vemos vários países, incluindo os nórdicos, a implementar os 4 dias de trabalho e os resultados são muito interessantes. Para além de tudo isto, é preciso continuar a considerar todas as questões que já são incontornáveis, como as facetas da flexibilidade, nomeadamente, remuneratória, temporal, espacial; o chamado “fit” entre a vida pessoal e profissional e o bem-estar. Para sermos absolutamente produtivos, precisamos de nos sentir bem onde estamos, – todos nos lembramos das videochamadas em que alguém tinha os filhos ao lado aos pulos ou que estavam a trabalhar num canto da cozinha -, estar 8 horas a trabalhar nestes ambientes não só se torna-se muito mais desgastante como existe muito menos produtividade. Concluindo, acho que o futuro nos vai levar para estes modelos, mas ainda há muito que estudar e aprofundar sobre como é que as organizações devem fazer este processo convenientemente. Uma sugestão é ler o livro que abrange todos estes temas e adequa-se a trabalhadores e lideranças.
O livro Trabalho remoto e experiência do trabalhador está disponível nas livrarias habituais e aqui, atualmente, em promoção.
Entrevista Isabel Moço, co-autora do livro “Trabalho remoto e experiência do trabalhador”