Runrun: “há muita gente que diz que tenho o emprego de sonho”
Desde cedo sabe que quer fazer parte do mundo do futebol, só não sabia que o futuro iria trazer-lhe o melhor dos dois mundos: ser atleta de Esports. José Soares tem 23 anos, é atleta do Futebol Clube do Porto na categoria de Esports, e assume “há muita gente que diz que tenho o emprego de sonho. Se pensar um bocadinho nisso, é verdade”.
Atualmente, fala-se muito das novas profissões que o digital nos trouxe, esta é uma delas e José, mais conhecido como Runrun, fala-nos sobre esta em particular que, por ser recente, há caminhos ainda por cruzar. Será uma profissão tabu? O atleta explica que ”a imagem que se tenta passar é que há uma dependência e quem começa a jogar torna-se numa pessoa introvertida e com hábitos sedentários. O que não faz sentido, porque cada caso é um caso. Há muitas pessoas que jogam por lazer, para se divertir e para retirar algo de bom do dia delas”.
Começou a jogar quando ainda nem se ouvia falar da possibilidade da profissionalização deste setor “na altura ainda não havia nenhuma estrutura que nos permitisse profissionalizar. Aliás, nem se pensava nisso. Simplesmente, gostávamos de competir nos torneios e começou por aí”. Com a evolução do digital, “começaram a aparecer estruturas de torneios muito grandes, como a Federação Portuguesa de Futebol e a Liga de Portugal, a terem interesse nesta área”.
Tudo começou em 2016 quando ainda jogava futebol e decidiu ir a Madrid com um amigo para participar num campeonato de FIFA. Momento esse que guarda com carinho:
A verdade é que fui lá, ganhei e ao regressar a casa foi quando os meus pais pensaram, pela primeira vez, que isto é algo real e que perceberam que até tenho talento. É importante para mim porque é o momento em que me começaram a apoiar, felizmente, desde muito novo.
Teve dois anos no Sporting Clube de Portugal, mas trocou o clube da segunda circular pelo da cidade invicta, onde integra a estrutura do FC Porto, “somos três jogadores, mais treinador e staff”. Atualmente, a tendência que, começou a surgir no ano passado, segundo José, “é o dois para dois – duas pessoas a jogar contra duas pessoas – o que faz com que tenha que existir uma maior conexão com o teu colega. Nesta vertente, o próprio treinador tem muito mais impacto porque tem que interligar os dois estilos de jogos de cada jogador. Somos uma equipa a trabalhar”. Esta evolução acompanha os tempos e o atleta acredita que “as competições não vão ficar por aqui. Podem vir a ser de três para três – e aí sim – precisas de um plantel maior, mas também acredito que não vão passar daí”.
Nesta modalidade, a competitividade é maior que em muitos desportos apesar de “não ser tão grande como no futebol”. Por isso, os atletas têm grandes preocupações com a sua saúde mental, apesar de Runrun considerar que “se tivermos bem fisicamente, o nosso jogo vai ser melhor, em relação às reações e à própria mobilidade, mas claro, a questão psicológica corresponde a 90% daquilo que vamos fazer no jogo”.
Durante o ano, faz live streams, em plataformas como a Twitch, com o objetivo de estar ligado às pessoas que gostam de o acompanhar. “Estar com pessoas nos eventos, acontece talvez uma vez de dois em dois meses, ou seja, é muito distante. Por outro lado, “se fizermos lives streams temos a oportunidade de angariar mais público, mais pessoas que gostam de nós”. Evento como o Lisboa Games Week que está a decorrer até domingo, permite a estes profissionais “andar pelos eventos e ter pessoas que gostam do trabalho a irem falar connosco e a pedir fotografias”, revela ainda que “todos os atletas gostam mais de jogar a nível presencial, em eventos, ter as pessoas a gritar por nós e a celebrar um golo”.
Quando estou com os meus amigos, não gosto de jogar. Já é o meu trabalho por isso, no meu tempo de lazer, ter que o fazer também não faz sentido para mim.
Nos momentos antes das competições há sempre “aquele bichinho” e revela que “no dia em que isso deixar de existir é sinal que a minha vida tem que seguir outro rumo”. No entanto, quando começa a jogar “simplesmente deixo rolar e depois flui naturalmente”.
Perguntámos a Runrun como tem sido até aqui conciliar os estudos com o mercado de trabalho “é complicado, até porque as competições normalmente decorrem durante o ano letivo, por isso, no início tenho sempre que falar com os professores para explicar o que é que faço”. Um dos segredos para ele é “seres organizado. O dia tem 24 horas, é muito tempo”.
Neste momento, está no segundo ano da licenciatura em Psicologia, uma área que passou a interessá-lo devido ao seu percurso profissional, sobretudo devido às técnicas que inclui, tanto no jogo, como na sua vida pessoal. “Quando era mais novo, não sabia bem controlar as minhas emoções e parti alguns comandos. Tenho, aliás, marcas no teto de comandos que atirei. Com o passar do tempo, sobretudo quando comecei a conhecer mais a vertente da psicologia e a forma como nos podemos tratar, reformulei o meu nível mental. Passei a ver tudo de outra forma e se, nos últimos três anos, parti um comando deve ter sido porque se estragou sem querer”.
Segundo um inquérito da Kaspersky, 43% dos jogadores de Esports têm preocupações com a sua saúde mental. A preparação mental é um dos principais focos desta profissão e Runrun explica que “a gestão de expectativas é fundamental para viver o momento e não jogar a pensar no fim”, aliás “não é uma questão de acabar com as tuas emoções, mas sim como podes controlá-las”.
Quando vais para uma competição levas contigo duas mochilas, uma delas carrega de todas as tuas preocupações, ansiedade e expectativas e na outra mochila levas o que é tático e o que tens para jogar. É aqui que tens que escolher e o nível mental pode ajudar-te a escolher qual é a que vais levar.
Quando tudo começou, ainda estava no secundário e não tinha um plano. Aos dias de hoje, José faz o que mais gosta e aconselha os que, como ele, querem uma carreira na modalidade de Esports “acima de tudo, tenham sempre um plano B; vejam jogadores profissionais; ponham muitas horas no jogo e, por fim, arranjem formas de se mostrar”. Muitos torneios são divulgados no site da FPF, que funcionam como “uma montra, onde qualquer tipo de clube ou organização tenha interesse em ti, para te recrutar”.