Setembro é daqueles meses que não enganam. Marca o início das aulas, que para muitos significa o começo da aventura no Ensino Superior, e por isso este ano estivemos em quatro das principais cidades universitárias do país – Coimbra, Leiria, Lisboa e Setúbal – e perguntámos aos mais novos, aos doutores, aos veteranos e às instituições o que é, afinal, isto de ser caloiro.
COIMBRA
É a fonte onde todos os outros vêm beber inspiração para receber os seus caloiros. A Universidade de Coimbra já está a fervilhar para acolher quem tem a missão de dar continuidade à forte tradição estudantil, e toda a gente participa nesta verdadeira festa para a comunidade académica.
Cristina Pinto, Assessora de Imprensa da Universidade de Coimbra
“A praxe em Coimbra não é de agora. Esta foi a primeira universidade pública no país, tem 725 anos de história, e foca-se todos os anos no ingresso dos novos alunos, e é por isso que estamos mais uma vez a desenvolver um conjunto de atividades para eles. Temos os Serviços de Ação Social Escolar, que estão a dar a conhecer todas as possibilidades ao dispor; temos os próprios estudantes com os seus Núcleos; e depois a parte respeitante à Associação Académica e ao Conselho de Veteranos, que são entidades independentes com regras próprias.
Todos nos preocupamos em acolher bem quem acaba de chegar, e temos sempre o cuidado de os informar sobre os seus direitos e deveres, de que são livres de participar ou não na praxe, e que se em algum momento se sentirem lesados, são igualmente incentivados a manifestar-se.”
António David, representante do Conselho de Veteranos da Universidade de Coimbra
“Coimbra é a fonte de tudo o que se faz no resto do país, e a experiência depende apenas da disponibilidade de cada um em descobrir. A praxe é apenas uma pequena parte, há a vida académica, há a tradição académica, e existe algo único e que muita gente não conhece – as repúblicas, que toda a gente deve experimentar.
No que aos veteranos diz respeito, temos tentado estar mais presentes no terreno, e estamos este ano nas matrículas a convite da Reitoria, sobretudo com o objetivo de informar sobre a praxe, que existem regras no código e que ela é facultativa.”
Os trajados
João Mendes, 3º ano de Ciências Farmacêuticas
“Quando eu entrei, a malta tinha aquele ‘medinho’ da praxe e do que poderia acontecer, mas no ano passado vimos pessoal a chegar mesmo cheio de medo, algo que nos preocupou. Por isso optámos por de início deixá-los mais na deles e sermos amigos, e à medida que a confiança se foi instalando fomos aumentando a intensidade da praxe. Este ano estou à espera que eles cheguem um pouco mais à vontade.”
João Baptista, 2º ano de Ciências Farmacêuticas
“Tudo o que fiz na minha praxe foi brutal. Proporcionou-me conhecer outras pessoas e permitiu-me reunir um núcleo de boas amizades. Este ano vou praxar e vou tentar torná-la o mais interessante possível para os novos alunos, num ano que para eles significa liberdade ao máximo para fazerem o que quiserem, desde que com juízo. A ideia é que se adaptem e que passem aqui os melhores anos das suas vidas.
A praxe em Coimbra é estar de quatro e sobreviver à parte ‘estilo exército’, mas também é muita galhofa e muita brincadeira. No nosso curso, começam por ser Doutoras com Caloiras e Doutores com Caloiros, e só depois de se conhecerem bem entre si é que misturam.”
Maria Rebelo Pereira, 4º ano de Direito
“Em Direito organizamos a praxe em tertúlias, e penso que de uma maneira geral ela tem vindo a acalmar um pouco. Em Coimbra a praxe é mais psicológica, enquanto que no resto do país é mais física, e apesar de tudo penso que a tradição vai continuar a ser o que sempre foi, prova disso é este mar de gente que está aqui só para receber a caloirada. Quem vem estudar para aqui pode esperar, nos primeiros tempos, muita praxe. Até à Latada não há estudo para ninguém!”
Gonçalo Lopes, 3º ano de Economia
“No meu ano viemos muito mais tranquilos, e no ano passado já vi mais medo nos caloiros. Mas depois da primeira semana tudo fica mais calmo. E no fundo, ser caloiro aqui é o melhor momento das nossas vidas, é só festa e jantaradas, e é preciso alguma cabeça para começar a estudar.”
Os caloiros
Margarida Araújo, caloira do curso de Ciências da Educação
“Já tive uma pequena amostra do que é a praxe… Já me apresentei, já subi para um banco e já saltei de lá, brincadeiras super engraçadas, estou a gostar!
Eu quero ser praxada, e acho que é bom se não for levado ao extremo… Tem de haver limites e se eu não quiser fazer, não faço. Vou para a praxe para fazer amizades e para me integrar, e é esse o espírito que elas devem ter.”
Andreia Melo e Ana Catarina Pombo, caloiras acabadas de chegar da Sertã e de Abrantes
“Ser caloiro é aproveitar o primeiro ano de faculdade para descobrir tudo. É uma nova etapa, é quando saímos debaixo da saia da mãe. É ser independente! E para além disso é fazer amizades, e isso começa logo na fila das matrículas, onde nós nos conhecemo-nos. Já estamos a pensar em viver juntas!”
LEIRIA
Quem estuda em Leiria leva sempre muitas histórias para contar, e um sentimento muito forte no coração por esta cidade que proporciona um ambiente académico diferente dos demais. Fomos ao Instituto Politécnico de Leiria “checkar” o ambiente!
Nuno Rodrigues, Subdiretor da Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Leiria
“Para o início do novo ano, preparámos um conjunto de informações para facilitar a vida de quem acaba de chegar, como um Guia de Integração, mas como a ajuda humana é essencial temos também um Gabinete de Receção aos novos alunos, conduzido pelos nossos próprios estudantes. Temos também sessões de apresentação conduzidas pela direção da escola, para conhecerem as instalações e os serviços.
Este ano temos também uma nova iniciativa na primeira semana, a nossa Feira de Atividades, que engloba todas as atividades extracurriculares que eles podem desenvolver aqui, que é uma das nossas imagens de marca: Clubes de robótica, iniciativas solidárias, competições internacionais, Erasmus Student Network, entre muitas outras.”
Os trajados
Miguel Góis, 4º ano de Gestão
“Hoje em dia acho que são menos os caloiros recetivos à praxe, enquanto que os trajados acabam por ter o dobro do cuidado, com receio que os praxados levem a peito certas brincadeiras. Mas se a praxe for feita como deve ser feita, não há razão para isto, a meu ver… Até porque só quem é caloiro é que sabe o que isso significa. As pessoas que conhecemos, as brincadeiras engraçadas que fazemos, as amizades que criamos!”
Alexandre Olival, 4º ano de Engenharia Informática
“Noto maior apreensão por parte dos novos alunos, que vêm mais com os pais, muitos que até nos abordam sobre o tema… Depois na altura acabam por alinhar nas brincadeiras e divertir-se, não temos tido razões de queixa! Por outro lado, o facto da praxe ter estado na berlinda por maus motivos teve um lado positivo, que se manifesta numa maior vontade das pessoas em saber e compreender o que é a praxe. Quanto a quem praxa, também há agora maior cuidado em não fazer inimigos, a pensar bem em cada brincadeira e em ser mais proativo na altura de dar uma boa imagem da praxe.”
Diogo Rodrigues, 2º ano de Mecânica
“As pessoas têm uma ideia negativa da praxe, e tendem a denegri-la porque se focam nas coisas menos boas, e porque não a vivem, e a praxe é para quem a vive. Pode ser dura, mas devemos valorizá-la porque ela é marcante; não é só ‘encher’, é também ajudar os outros, é estarmos unidos.”
Os caloiros
Filipe Silva, caloiro vindo do Brasil
“Gostei da forma como fui recebido, as pessoas aqui são atenciosas e preocupadas em informar-nos. No Brasil as coisas são diferentes, desde logo no ensino que é bem menos prático, mas também na praxe, que lá é bem pesada – na minha universidade chegaram a existir cerca de 80 queixas num só ano. Aqui só fazes o que quiseres fazer.”
Lucas Oliveira, caloiro do curso de Engenharia Automóvel
“Pensava que hoje vinha só entregar um papel, mas apanharam-me de surpresa e já me fizeram berrar. Eu sou um apoiante da praxe e acho que é ótima para conhecer gente nova!”
LISBOA
Na capital do país as instituições de Ensino Superior existem em grande número, e é possível ver as diversas abordagens à chegada da caloirada, sobretudo ao passarmos na zona do Campo Grande. Estivemos na Cidade Universitária, batemos à porta de várias “capelinhas” e escutámos algumas reivindicações.
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
Neide Tornado, caloira de Ciências da Linguagem
“Ser caloiro é andar meio perdido, é embarcar numa nova etapa completamente diferente daquilo que vivemos no Ensino Secundário. Acho que a praxe faz parte da experiência de ser universitário, e à qual toda a gente deveria aderir. O que nela acontece depende sempre de quem praxa e também de quem é praxado, que tem de ter a força suficiente para se impor no caso de haver algum exagero.”
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
João Possollo, caloiro de Direito
“Um caloiro é alguém que está a fazer uma transição, e a passar por uma espécie de introdução ao mercado de trabalho, onde supostamente já sabemos o que queremos fazer no futuro.
A meu ver, se existe algum caloiro maltratado, é aquele que não é capaz de se impor por si mesmo. Sou um bocado contra a praxe, não acho assim muita piada… Prefiro estar mais na minha.”
Nuno Medeiros, Presidente do Núcleo de Estudantes das Regiões Autónomas e ensaiador numa Tuna Académica
“Este ano vamos ter, como é habitual, a Semana do Caloiro, da qual o primeiro dia é o único dedicado à praxe, e que decorre dentro do recinto da faculdade, para maior segurança. Temos também a FDUL Experience, com várias atividades como a atuação das tunas académicas e do grupo de teatro da faculdade, concertos de artistas como os Linda Martini ou a Capicua, e várias dinâmicas de acolhimento aos novos alunos.”
Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa
Raquel Gama e Carolina Laia, caloiras do curso de Ciências Farmacêuticas
“Nos primeiros dois dias já fomos pintadas, já fizemos jogos e já aprendemos o hino do nosso curso. Estamos a começar a perceber que ser caloiro é pertencer a uma família e estarmos juntos em todos os momentos. Em relação à praxe propriamente dita, achamos que difere muito de faculdade para faculdade, e pelo menos aqui têm sido impecáveis connosco!”
Nuno Romana, finalista do curso de Ciências Farmacêuticas
“Os nossos caloiros estão a começar por aprender como é esta casa, e a partir daí vai haver muita brincadeira e muita introdução ao nosso espírito. O primeiro grande evento vai ser o Casco Paper, o clássico peddy paper por Lisboa, onde queremos apresentar-lhes a cidade e alguns dos melhores spots que podem frequentar.”
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
Bruno Coucello, Vice-Presidente da Associação de Estudantes
“Os nossos caloiros já estão a ser um bocadinho maltratados ali no Jardim do Campo Grande, e dentro da faculdade tiveram uma surpresa logo no primeiro dia de matrículas, com uma flashmob organizada pela unidade académica e pelos próprios estudantes. A partir daqui vão existir vários convívios, e em outubro teremos a Receção ao Caloiro de Ciências.”
ISCTE-IUL
Beatriz Santos, caloira do curso de Finanças e Contabilidade
“Quero conhecer, conhecer, conhecer, e aproveitar a experiência das pessoas mais velhas para tomar contacto com a instituição e com o meu curso. E quero ser praxada, dentro de certos limites, claro! Esta faculdade tem um ambiente fantástico e acho que o meu primeiro ano vai ser brutal!”
Universidade Lusófona
Inês Carvalhal, responsável de comunicação da Associação de Estudantes
“Estamos a organizar uma semana de receção ao novo aluno, que termina com o nosso Arraial, no dia 3 de outubro. Ao longo desses dias, a Associação de Estudantes e os seus parceiros vão montar uma mini-feira, com convívio, música, dança e várias atividades – como aulas de ginásio – algo que no ano passado já teve uma adesão muito boa!”
SETÚBAL
Numa zona onde se concentram estudantes de todas as partes do país, o Instituto Politécnico de Setúbal é um dos principais pólos de Ensino Superior a sul de Lisboa, e uma paragem obrigatória para tomar o pulso à chegada dos novos universitários de Portugal.
Pedro Dominguinhos, Presidente do Instituto Politécnico de Setúbal
“O acolhimento dos novos alunos é algo muito importante para nós, e este ano reforçámos o nosso programa de atividades com eventos mais transversais, como a receção geral a todos os alunos – no dia 28 de setembro – e com um conjunto de ações desenvolvidas por cada uma das nossas escolas, para integrar e sensibilizar desde já os jovens para as diferentes áreas profissionais relacionadas com o curso que escolheram.
Cada novo aluno desta instituição pode esperar carinho e atenção. Existe um conjunto de benefícios sociais à disposição, existem várias modalidades desportivas que é possível praticar, e uma Associação de Estudantes fortemente empenhada em receber bem. Temos também uma política de porta aberta no que aos docentes diz respeito, e ainda um ensino assente na prática, com laboratórios e metodologias orientadas para aprender a saber fazer.”
Cátia Crespo, Presidente da Associação de Estudantes do Instituto Politécnico de Setúbal
“Estamos a receber os novos alunos e a dar-lhes todas as informações necessárias para uma matrícula tranquila.
Considero que, em relação à altura em que eu entrei (há dois anos atrás), que os caloiros estão mais à vontade com os mais velhos; já na praxe as coisas estão mais ou menos iguais, ou seja, tudo muito baseado na brincadeira e não na humilhação. E aí, eles também são mais espevitados e sem grandes vergonhas de alinhar nas palhaçadas, estão mais dispostos a participar. No fundo, acho que querem aproveitar ao máximo, e isso é ótimo!”
Os trajados
Erika Pinto, aluna do 3º ano de Enfermagem
“A praxe que me marcou mais foi algo a que chamamos “o autocarro”, onde nos sentamos, ouvimos histórias contadas pelos trajados, e levamos com todo o tipo de coisas, desde farinha a ketchup ou vinagre. Recordo com muita saudade os tempos de caloiro!
Ao início senti medo, depois senti vontade de partir à descoberta, e a partir daí foi apenas habituar-me a todo um novo mundo que agora chamo de segunda casa. Ser caloiro é experimentar coisas novas, é fazer amigos daqueles que ficam para a vida, é ter a sorte de ter padrinhos fantásticos como eu tive, e para isso é apenas preciso vir de mente aberta e sem macaquinhos na cabeça.
No nosso caso em particular, o facto de sermos uma escola pequena e super acolhedora ajuda muito os mais novos a ultrapassar o nervosismo dos primeiros dias.”
Yolanda Carvalho, aluna do 3º ano de Educação Básica
“O melhor que podemos fazer para receber a caloirada são jogos. No ano passado fizemos escorregas com água e sabão, e até eu própria acabei por experimentar e ser praxada! São coisas normalíssimas para nos conhecermos, e outro exemplo é o jogo do novelo.
Pelo que oiço, a tradição tem mudado muito ao longo dos anos, e a relação entre o trajado e o caloiro já não é a mesma.”
Beatriz Oliveira, aluna do 3º ano de Educação Básica
“Acho que os primeiros dias são um bocadinho assustadores, porque não sabemos ao que vimos, mas no final é a melhor sensação do mundo, e acho que a vamos querer recordar para sempre. Aliás, eu gostei mais de ser praxada do que de praxar, pelos amigos, pelo espírito de entreajuda e de união, pela solidariedade. E passar pela universidade sem viver este espírito académico é, a meu ver, uma grande perda.”
Os caloiros
Ana Rita Baptista, caloira do curso de Educação Básica
“Não estou nada receosa, pelo contrário, estou ansiosa por brincar com os Doutores e com os Veteranos!”
Laura Salvador, caloira do curso de Comunicação Social
“Estou à espera de começar do zero, no fundo acho que é isso que ser caloiro significa. De resto, é tempo de receber ajuda de quem está cá há mais tempo, de sermos integrados e apoiados para termos sucesso. Venho de espírito aberto e para mim é do estilo ‘seja o que for’!”
[Reportagem: Tiago Belim]
[Fotos: Samuel Fortunato]