Com um novo disco editado a 18 de setembro, Canções do Pós-Guerra, Samuel Úria atingiu o top de vendas nacionais. O músico português tem, na sua agenda, três concertos para a apresentação do novo trabalho e esteve à conversa com a Mais Superior, onde contou tudo sobre o seu mais recente projeto.
41 anos de vida. São vários os trabalhos publicados a solo, uma caminhada que começou em 2003. O que nos traz o disco Canções do Pós-Guerra?
Eu diria que, não sendo eu propriamente uma pessoa dotada a rebeldias repentinas, este disco, em boa verdade, nasce em confronto com o disco anterior, porque o anterior durou muito tempo, teve muito tempo de vida, não o forcei, mas durante quatro anos eu consegui estar a tocá-lo, consegui vender concertos, canções a serem descobertas, havia público a multiplicar-se… Então, para não ficar eu próprio cristalizado na identidade de um disco, decidi que este teria de partir de pressupostos diferentes, teria que abandonar algumas das formas que, até tinham tido sucesso no anterior. Então, a minha maneira primária de caracterizar este disco é esse confronto, essa guerra com, secalhar, a conformidade em que eu podia estar tentado a cair e, é essa guerra que me leva a escrever sobre guerras e sobre pós-guerras, etc. Parte daí.
Como surgiu o conceito do álbum? (a ideia do passeio por Lisboa)
O passeio por Lisboa nasce já na altura do desconfinamento. Como o disco era para ter saído em abril e não foi possível… Quando chegou a altura de pensar numa componente visual que o acompanhasse, e não é necessariamente a ideia do videoclipe oficial, mas algo visual que acompanhe a própria viagem e a noção de que o disco tem uma progressão, que é sequencial. Como o disco também tinha ficado confinado, tal como nós, eu decidi que a componente visual tinha de ser uma componente que manifestasse esse confinamento. Fui para as ruas de Lisboa passear e, o disco tem esse acompanhamento de uma viagem, de um passeio, para as pessoas também perceberem que foram canções que estiveram, tal como nós, impedidas de sair à rua.
Como foi feita a escolha dos locais? Foi aleatório ou tudo pensado, de sítios preferidos e/ou com memórias?
Eu como moro em Lisboa já há alguns anos, ando muito a pé. As zonas da baixa de Lisboa estariam sempre no cardápio de roteiros possíveis. Ando muito por aqueles sítios, e então foi a partir de uma sugestão de localização por ali, por aqueles lados, e depois a Joana Linda, que realizou o vídeo, andou a fazer uma espécie de scouting para ver quais eram os melhores sítios e também tentar traçar qualquer coisa, qualquer viagem, um roteiro, que acompanhasse com uma duração próxima da do disco. Foi ela quem fez a sugestão, depois aquele passeio mais específico.
O disco ficou disponível nas lojas a 18 de setembro. Na primeira semana atingiu o top de vendas. Qual a sensação de ter o disco mais vendido? Qual o segredo para este sucesso?
Eu acho que o segredo não está contido em mim. Por um lado, tenho uma vantagem que parte de uma desvantagem: hoje em dia não se vendem muitos CDs. Então, chegas a um número que não é exagerado e podes estar logo no top. Outro segredo acho que também pode ser o facto de eu não estar sempre a “maçar” as pessoas com discos novos. É propositado, não sou um músico profícuo, gosto que os discos tenham alguma distância entre si, não tanta como este disco tem do álbum anterior, embora tenha lançado um LP pelo meio. Acabo sempre por lançar objetos que para um público, sendo reduzido ou não, são objetos muito aguardados. Então, sou também bafejado por essa antecipação e, saindo os discos, as pessoas que têm algum tipo de devoção às coisas que eu faço ou são fãs, ou alguma curiosidade, que também noto que está sempre em crescendo de um disco para o outro, protagonizaram este disparo de vendas que, pelo menos para mim, não é habitual, ter na primeira semana um surto, e estou a falar de surto porque é uma palavra corrente (risos). Mas sim, houve um surto de vendas (risos). Não se pode dizer que é um disco viral (risos), mas é o mais viral que tive até agora.
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Concertos marcados para Lisboa, Porto e Ponte de Lima. O que é que o público pode esperar? Quais são as expetativas, tendo em conta esta nova realidade?
Terá de esperar normas de segurança a terem de ser cumpridas, e lugares vazios nas salas que não significam os lugares vazios do antigamente, que não se conseguiam vender. Agora há lugares vazios porque não se podem vender. Estas normas mudam a configuração de uma sala, e a configuração de uma sala é importante para um concerto, por isso, também irão mudar, quer eu queira ou não, alguma coisa no concerto. Eu lá à frente sou suscetível, sou premiável à parte visual e ver pessoas com máscara, etc. Apesar disso tudo, desses condicionantes todos, condicionantes que também vão acontecer em palco, porque, há distâncias também a manter, para se dar o exemplo, nem que seja. Apesar disso tudo, eu estou-me a forçar, eu e a malta que está comigo, para que o concerto funcione da mesma forma que funcionaria antes de isto tudo. Eu não abri mão de ter toda a minha banda, de ter um coro comigo, de ter convidados, então, vai estar mesmo muita gente em palco, com as devidas distâncias, para que o lançamento seja tão alto e sonante, como seria num período da antiga normalidade. E a entrega acho que vai ser total, até porque nós não sabemos quando é que podemos voltar aos palcos, não sabemos o que é que nos aguarda. Vamos agarrar estas oportunidades que são certas, falta poucos dias, acho que são certas, que isto vai acontecer. Vamos agarrar estas certezas com o máximo de empenho.
Primeiro trabalho a solo foi publicado em 2003, O Caminho Ferroviário Estreito. Até hoje foram nove trabalhos discográficos e quatro coletâneas. Como é que o Samuel de hoje olha para o Samuel de há 20 anos, e vice-versa? Se se encontrassem e conversassem, o que é que um diria ao outro?
Eu acho que, por um lado, se eu contasse ao Samuel de 2003 o que é que eu andava a fazer, ele iria ficar surpreendido, não tanto por eu continuar a fazer canções, nem tanto pela forma como eu faço canções, porque acho que a motivação é a mesma. Acho que o Samuel de 2003 ia ficar surpreendido, por isto ser agora a minha profissão. Seria bom demais para acreditar. Eu até costumo dizer que eu não estou a viver o sonho porque, eu nem sequer sonhava com isto! Eu faço canções porque tenho de as fazer, porque é uma obrigação, que não parte da profissão e, isso mantêm-se igual a 2003. Há uma necessidade que não consigo explicar, eu tenho de fazer canções porque tomei-lhe o gosto e, é mesmo uma atividade que eu tenho de fazer em abono da minha sanidade mental, em abono da minha sanidade espiritual, para me manter uma pessoa socialmente ativa. Tenho de fazer canções, e isso não mudou desde 2003. Mas, o facto de eu o fazer profissionalmente, de poder pagar contas através das canções, não ter que ter uma segunda profissão, para além desta coisa que é uma necessidade quase primordial, é inacreditável. Está para além dos sonhos. Então, se eu contasse ao jovem Samuel de 2003 que continua a fazer isto, mas agora a ser remunerado, eu acho que ele ia achar que era uma partida. Ele iria ficar mais surpreendido com isso, do que o facto de estar a falar consigo próprio, quase 20 anos mais velho (risos).
Hoje é Dia Mundial da Música. Uma mensagem para os aspirantes a músicos? Para quem olha para o Samuel e diz “Eu quero ser igual”.
Acho que, felizmente, vai resultar para os jovens músicos não quererem ser igual a mim (risos). Eu acho que ninguém quer ser igual a mim (risos). O maior conselho que eu posso dar e digo porque eu sou uma pessoa cheia de defeitos, e muitos defeitos da música, é tentar capitalizar mesmo esses defeitos e personalizar ao máximo a música. Não renunciar as referências, não renunciar as influências, continuar a ouvir música, estar aberto ao que as pessoas digam, que as pessoas sejam críticas. Estar sempre receptivo, mas capitalizar tudo aquilo que é só nosso, porque acho que é só aí que nós vamos conseguir singrar. O talento é subjetivo aos ouvidos dos outros, mas aquilo que é nosso e só nós podemos fazer, se calhar, é a via para podermos ser ouvidos e sermos ouvidos fora de uma massa que não nos distinga. É tentarmos ser distintos.
Os concertos estão marcados para 6, 7 e 24 de outubro, no Teatro Tivoli BBVA, em Lisboa, na Casa da Música do Porto, e no Teatro Diogo Bernardes em Ponte de Lima, respetivamente, e contam com Monday como convidada.