É um mercado muito específico e personalizado. Como é que funciona?
Mais personalizado que isto não existe. Eu não tenho nada feito, ou a fazer, que não tenha dono. Desde o processo de escolher fazendas, de construção. Todos nós somos diferentes, temos constituições diferentes, um braço mais comprido, já para não dizer corpos disformes, que infelizmente também existem. Mas, mesmo uma pessoa dita normal, tem muitas diferenças e isto é a personalização ao mais alto nível, ao detalhe. Claro que eu tenho o meu estilo, o meu traço, o meu estilo de fato, mas tudo o resto é o cliente que define aquilo que quer.
Falaste da questão dos nãos. Fecharam-se muitas portas, como é que se gere sendo alfaiate? Tiveste algum momento em que pensaste em desistir? Tinhas um plano B?
Alfaiataria sempre foi o plano A. Graças a Deus tive a minha mulher que, sempre que me fechavam portas, dava-me força. Fui pai muito novo, sempre tive os meus filhos e sabia que isto de alguma forma poderia, se eu fosse persistente, dar frutos e felizmente deu. Eu também continuo a dizer que se fores honesto contigo, com os outros, se trabalhares, se fores persistente, mais cedo ou mais tarde consegues. Agora, eu acho que as pessoas se preocupam mais com os outros do que com elas próprias. E isso por vezes não é benéfico. É não olhares para o lado, fazeres o teu caminho e andares. As portas fecham-se em todo o lado, em todas as áreas, não é só porque sou eu. É normal, é uma profissão onde há muito poucos alfaiates. Os mais velhos não queriam ensinar, talvez com medo que perdessem o lugar, é legitimo, não os critico por isso. É um mercado muito pequeno, é de nicho e foram pessoas que agora tem 60 e 70 anos, que toda a vida se dedicaram e chegaram a um nível que, entretanto, aparece um miúdo para aprender e tem medo de perder esse estatuto. Eu na altura não aceitava, mas agora compreendo, porque são vidas difíceis, vidas duras e de repente quando atinges o topo… Se me perguntares se faria o mesmo? Eu não, não tenho vergonha nem tenho a mínima preocupação se houver alguém acima de mim. Lá está, como não olho para o lado e faço o meu caminho, tento fazer o meu melhor. Estou focado naquilo que faço.
Manuel Luís Goucha foi o teu primeiro cliente. Podes contar essa história?
Costuma-se dizer que a pirâmide tem de ser construída com muita base, eu comecei logo pelo topo porque o meu primeiro cliente foi o Manuel Luís Goucha. A Susana, minha mulher, trabalhava numa clínica dentária onde o Manuel era paciente. O Manuel nunca soube que eu era alfaiate nem que a Susana tinha um marido alfaiate, no entanto já se conheciam há uma série de anos. Por questões de necessidade, ele precisava que lhe arranjassem um fato e a Susana disse-lhe que eu era alfaiate. E assim foi. Trouxe o fato, lá o arranjei. O Manuel gosta de pagar tudo, eu não quis cobrar, foi uma discussão tremenda. Felizmente, a forma que ele me quis pagar foi mandar fazer um casaco, ao qual eu achei que era a minha oportunidade. Lá está, acho que se fores persistente, hás de lá chegar, e, como disse, não olhei para o lado, olhei para aquilo que queria fazer.
Foi aí que se abriram as portas? Foi a montra?
Sim, o Manuel é muito generoso, sem dúvida. Não tem necessidade de falar o que que quer que seja porque paga tudo, mas acabou por ser generoso. Apressou um pouco mais as coisas.