Cresceste em Lisboa, sem pai e com a mãe a trabalhar em Espanha. Como é que foi esse processo de viver muito novo sem as figuras paternais?
Naquela altura eu achava que era natural, e ainda acho. A minha mãe tentou sempre fazer aquilo que achava que era melhor para mim e, naquela altura, as dificuldades também eram imensas, até devido ao sítio onde vivíamos, eram vidas bastante difíceis. Ela optou por ir para fora, até porque a moeda ainda não era o euro, cada país tinha a sua, e na troca praticamente dava mais do dobro. Optou por tomar essa decisão, achando ela que era a melhor. E eu respeito. Aquilo que tentei fazer sempre foi ter a consciência de que ela estava a fazer um esforço tremendo, e só não a queria desiludir e então, tentei dentro dos possíveis portar-me bem, o melhor possível, mas é complicado. Acabas por ser uma criança, embora estivesse ali toda a minha família, as tias, os tios, os primos, todos à minha volta, mas não tinha a minha mãe.
Ser alfaiate não era o teu sonho. Durante a adolescência, quais eram os planos para o futuro?
Curiosamente, não tinha. Queria portar-me bem, dar alegrias à minha mãe e tentar ser alguém. Agora, claro que nunca me passou pela cabeça ser alfaiate. Queria ser alguma coisa.
Na transição da escola para o ensino superior, não tinhas possibilidades e acabaste por ir trabalhar. Primeiro como barman e depois numa loja de roupa, onde surgiu a oportunidade de teres a formação em Espanha para seres alfaiate.
Sim, quando acabo o 12º ano, ainda me vou matricular na faculdade. A minha mãe, coitada, com os esforços que tinha ainda dizia que dava para pagar o curso. Rapidamente percebi que não dava, decidi começar a trabalhar. Comecei a trabalhar à noite porque tinha um vizinho que o fazia. Trabalhei como barman, mas vi que não era aquilo que queria. Surgiu a oportunidade de ir trabalhar para uma loja de roupa clássica. Depois, mais tarde, sou convidado pelo El Corte Inglés e surge a oportunidade de ir tirar o curso em Espanha. Aí sim, desde o primeiro dia senti que era o que queria.
Foi imediato.
Eu gostava muito de Geometria Descritiva, e na realidade isto acaba por ser parecido, transpor o corpo do cliente e as medidas para o tecido. Na Academia de Corte, eu era dos poucos que conseguia transpor as medidas para o tecido. Por isso, logo nesse dia achei que seria alfaiate.
Para quem não conhece, o que é ser alfaiate?
Não é fácil. Atualmente estou-me a levantar às cinco da manhã. Felizmente, desde que eu comecei a trabalhar para mim, em nome próprio, começou-se a falar mais da alfaiataria. É sinal que consegui passar essa mensagem para os outros. Eu já tenho 20 anos disto. Na sociedade de hoje, é tudo para ontem. Tudo é rápido e isto é uma profissão artesanal, é uma profissão difícil e que leva muito tempo, ou seja, as pessoas querem aprender só porque sim. Só porque viram um story no Instagram e “fixe, ele faz fatos ao Quaresma. Se eu for alfaiate, também consigo falar com o Quaresma”. São muitos anos, são muitas portas, são mesmos muitas, a fecharem. Se eu tenho ido pela via mais fácil, tinha desistido. Aliás, no curso de Espanha, nós éramos 22 e tenho conhecimento que sou o único que continuo alfaiate. Ou seja, não é por teres um curso. É como o curso superior, tiras e grande parte não exerce. Isto para dizer que são profissões muito duras, são complicadas e que na realidade, só se vê a parte bonita, e ainda bem que assim o é. Antes verem a bonita do que não verem nenhuma. Agora, são profissões complicadas, não é à toa que foram profissões que se foram perdendo, são pesadas e as pessoas preferem abandonar. Eu tive colegas meus, alfaiates, mais velhos, uns já morreram, que me contavam que colegas deles, quando chegaram a maior de idade, preferiram ir trabalhar para a Carris, para a rodoviária, do que trabalhar na alfaiataria. Não é fácil. Se não fosse o amor e a paixão que tenho pela profissão, também optava por outra coisa qualquer.