Mundo, Dj Guze, Fuse, Expeão e Maze: é este o pentágono musical que, desde 1996, dá cartas no panorama do Hip Hop nacional. Dealema é isto mesmo: cinco elementos diferentes, com vontade de fazer algo diferente. Há mais de duas décadas no ativo, o talento não se esgotou. O grupo não parou de criar e – afirmam que, enquanto a música existir, eles estarão por cá.
Há muito que Dealema atingiram a maioridade. Que retrospetiva podem fazer a esta autêntica vida levada a fazer Hip Hop?
Mundo: Tem sido uma viagem incrível e enriquecedora. Jamais sonhávamos, quando começamos a fazer música, que seria algo que iria atingir esta proporção nas nossas vidas. Estamos muito gratos pela jornada.
Como foi que cada um de vocês descobriu a música enquanto paixão?
Mundo: Para ser muito sincero, acho que foi algo inevitável e que foi surgindo de forma natural. Todos somos criativos e apaixonados por música, apesar dos universos sonoros de cada um serem bastante distintos. Ainda passaram pelo tempo em que tudo se gravava em cassetes.
Era uma altura muito difícil para se expressar e conseguir visibilidade no Hip Hop?
Mundo: Sim, sem dúvida. Os meios de gravação e de difusão eram, na altura, muito rudimentares… Mas a vontade era imensa e, no final de contas, isso fez toda a diferença. Não podemos deixar de olhar para trás e sentir um orgulho enorme por pertencermos a essa geração tão pura. São grande parte da história do Hip Hop Tuga, mas tal não seria possível sem terem construído a vossa própria história.
Como acontece isto, ao longo dos anos?
Mundo: De uma forma muito natural e espontânea. Sempre levámos o tempo que achámos necessário para a nossa criação e nunca acelerámos processos por imposição de editoras ou por pressão da indústria musical. Como tal, fomos evoluindo de forma saudável e sustentável – e tivemos o privilégio de passar por diferentes estados da evolução da cultura.
Em termos de tendências presentes (e aqui podem falar com experiência, que já levam anos disto) o Hip Hop está a passar um bom momento?
Mundo: Sim, isso é inquestionável. Nunca houve tanta variedade de paisagens sonoras. O Hip Hop evoluiu muito e hoje marca presença de destaque na maioria dos festivais – tanto em Portugal como além fronteiras. A qualidade dos artistas que representa esta vertente urbana da música teve, sem sombra de dúvida, um papel importante neste crescimento.
O que faziam há 20 anos atrás que já não podem fazer hoje?
Maze: Podemos sempre fazer o que tivermos vontade de fazer! Desde sempre foi essa a nossa posição e isso não v ai mudar nunca. Mas acho que não vamos voltar a gravar num Fostex de 4 pistas, com 2 microfones a passar de mão em mão enquanto registamos, num só take, músicas completas! Acredito que existiram alguns erros que cometemos há 20 anos e outros ao longo da nossa carreira. Esses erros não podemos voltar a cometer. Pertencem à nossa história, ao nosso crescimento e aprendizagem – mas não ao nosso momento presente ou futuro.
“Quando vemos que essa mensagem bate forte aos filhos dos nossos fãs, sabemos que somos intemporais.” Fuse
Há algum momento especial da vossa carreira que seja impossível não destacar?
Maze: A nossa carreira é composta por muitos momentos mágicos. Alguns passados em palco, outros em estúdios, em backstages ou mesmo em carrinhas a viajar ou em restaurantes e hóteis. São mais de 20 anos de muitas memórias especiais. Num espaço temporal tão vasto, acho que posso reduzir o ano de 2003 a um momento. Nesse ano, saiu o nosso 1º álbum e foi um ano incrível, desde o processo de gravação, mistura, lançamento do disco e toda a estrada, onde pisámos palcos de alguns dos maiores festivais e fizemos concertos de Norte a Sul do país. Foi um ano memorável e impossível de não ser destacado.
Como conseguem coordenar opiniões e gostos? Há muitas situações em que entram em desacordo?
Maze: Sim, somos cinco indivíduos completamente diferentes, com visões diversas. Mas convergimos muito, também, e por isso é que formamos este pentágono há tanto tempo. Além das diferenças que existem entre nós, somos seres em constante mutação e crescimento interior – portanto é normal que as opiniões e gostos às vezes sejam difíceis de coordenar. Existem, de facto, essas situações em que não estamos de acordo sobre alguns aspetos criativos ou de direção a tomar… No entanto, ao mesmo tempo respeitamos muito a opinião de cada um e sabemos, acima de tudo, que existe um espaço sagrado – que é esse pentágono que prevalece.
O egofica sempre remetido para um segundo plano quando o importante é algo maior e que transcende qualquer opinião ou gosto – algo que tenha por objectivo a Universalidade e a Intemporalidade, que são duas das nossas diretrizes unânimes.
“O ego fica sempre remetido para um segundo plano quando o importante é algo maior e que transcende qualquer opinião ou gosto – algo que tenha por objectivo a Universalidade e a Intemporalidade, que são duas das nossas diretrizes unânimes.” Maze
Quando começaram a criar, pensaram que iam atingir o patamar onde estão hoje?
Maze: Sinceramente, não. Nunca nos passou pela cabeça, até porque não existiam grandes ilusões de sermos reconhecidos – pois o próprio estilo musical era ainda embrionário em Portugal, nessa altura. Quando começámos a fazer rap só nos queríamos divertir a fazer o que mais prazer nos dava. Foi esse espírito que nos foi levando a este patamar de reconhecimento que possamos ter atingido agora, numa era em que a cultura Hip Hop é popular e tem a dimensão gigante que tem – com margem de progressão pela frente, ainda.
Há alguns artistas ou bandas que admirem em especial e a quem vão buscar influência?
Fuse: As influências são muitas. Se voltarmos, por exemplo, ao lugar onde tudo começou para nós, consumíamos música dos maiores impulsionadores do Hip Hop no início dos anos 90. De Gangstarr a Public Enemy, de Cypress Hill a Mobb Deep, de Rakim a Wu Tang, de De La Soul a Beatnuts… Eram tantos! E essa variedade estava implícita nos estilos de cada artista. Bebemos de fontes muito diferentes. Ao longo do tempo, além de MC’s, enquanto beatmakers cada um de nós é infl uenciado por inúmeros géneros musicais – que podem viajar entre o Soul, o Funk, a Clássica, o Blues, o Jazz, a Bossa Nova… Não há limites para quem vive, produz e coleciona música como nós.
O que sentem que mais vos tem unido e fortalecido?
Fuse: Principalmente, o facto de não esquecermos o que nos juntou: a mesma fome, a mesma paixão pela escrita e pela mensagem. Não perdemos o norte, não nos perdemos a nós próprios. Essa fome, que continua e não diminuiu com os anos, permitiu-nos evoluir e continuar clássicos, sabemos que ainda temos algo muito especial para partilharmos com as pessoas, que há um espaço que só pode ser preenchido por nós. Enquanto esta fome permanecer, a nossa força será inesgotável.
Qual é o segredo para criar música intemporal?
Fuse: A música intemporal tem de ter uma mensagem real, verdadeira, que não se esgote na atualidade. Para nós, o conteúdo é tão ou mais importante do que a sonoridade. Quando vemos que essa mensagem bate forte aos fi lhos dos nossos fãs, sabemos que somos intemporais. É incrível quando há músicas que te acompanham ao longo da tua vida e podem sempre fazer hoje o mesmo sentido, continuar a ter o mesmo impacto do que quando a escrevemos.
Quando for para soprar as 30 velas da carreira, ainda vão ter inspiração para continuar ativos na música?
Fuse: Enquanto a fome permanecer, a fonte será inesgotável. A inspiração não tem idade para quem nasce criativo – e a música será sempre uma das línguas mais potentes e universais da humanidade. Enquanto a música existir, nós estaremos cá.
[Foto: Cedida pelos entrevistados]