O Isaac é um jovem de 20 anos que adora a sua namorada e tem como hobbies a fotografia, andar de skate e fazer tatuagens. Para além de tudo isto, é trans, ou seja, o sexo com o qual nasceu não corresponde ao seu género. Ele é o protagonista do documentário Rip 2 My Youth, realizado para uma cadeira do 1º ano do Mestrado em Audiovisual e Multimédia da Escola Superior de Comunicação Social, e é um dos primeiros do nosso país a falar sobre este tema.
“Estou-me a cagar para as minhas cicatrizes porque elas fazem parte da minha história”
Realizado por Elizabeth Vieira, João Pico e João Figueiredo, o documentário Rip 2 My Youth conta a história da transição e, mais importante, da vida do Isaac. São várias as vozes que compõem o documentário, dos amigos aos médicos, passando pelos familiares e pela namorada. Como se sentem as pessoas trans? Como passam a adolescência? Como fazem o coming out? Quais as operações? Quais os riscos? Há respostas para estas perguntas, mas este não é um documentário sobre a transexualidade nem sobre a comunidade trans, é sim uma história da viagem sofrida mas cada vez mais feliz de um rapaz que só quer ser ele próprio.
“Ele não quer que fique tudo bem, ele queria nascer com tudo bem”
Este é um trabalho muito íntimo, e aquilo que o Isaac partilha é difícil de digerir e de interiorizar. Apercebeu-se de que era trans desde muito cedo e por isso aplicou-se ao máximo na escola para ter as melhores notas e sair de casa o mais rapidamente possível, ir para a faculdade e fazer a sua transição. Sofreu de bullying e aguentou muito, tendo sempre o apoio de alguns amigos e da sua avó. Desde que lhe cresceram as mamas (sim, este é o termo médico) que atava com cerca de 9 a 14 metros de ligaduras duas ou três vezes por dia. Mais tarde comprou um binder, uma peça de vestuário cara que serve para as prensar, de forma a que não se note que estão lá. Como não é algo que seja confortável – piorado pelo facto do Isaac o usar o mais apertado possível – acabou por originar problemas de respiração e uma dermatite grave. Só se sentiu realmente livre quando fez a mastectomia, a operação de remoção do peito.
“Começo a vida em que posso fazer o que eu quero. Em que mentalmente e legalmente posso tirar a camisola”
Este não é um tema fácil, e torná-lo um trabalho do 1º ano do Mestrado também não foi. O João Pico já tem mais de vinte anos de experiência na área, sendo também proprietário da Comprido, empresa que co-produziu o documentário. A Elizabeth Vieira e o João Figueiredo são mais novos, e este último destaca a experiência que este trabalho lhe proporcionou, bem como a ajuda que tiveram dos professores sempre que necessário.
A ideia para o documentário começou com um início de guião escrito pela namorada do Isaac e colega de curso dos realizadores, Mariana Ramos. Era um argumento bastante pessoal, focado no sofrimento pelo qual ele tinha passado, e foi adaptado de forma a mostrar a história de sucesso e a vida que o Isaac leva atualmente, igual à de qualquer pessoa.
“Não adianta apoiar o L e o G se achas que o B é confuso e te esqueces de que o T existe”
A estreia do documentário aconteceu no dia 2 de novembro no Auditório Orlando Ribeiro, em Telheiras. Contra as expetativas de todos, apareceram tantas pessoas que tiveram de fazer duas sessões seguidas, para que toda a gente pudesse assistir ao documentário.
A Elizabeth contou-nos que, nesse dia, um rapaz que está no início do processo de transição levou a família e os amigos para que eles percebessem o que ele sente e o que é a transsexualidade. O João Pico reforça que espera que o documentário sirva para mudar algumas mentalidades ou, pelo menos, que possa ensinar alguma coisa sobre o tema.
[Reportagem: Afonso Alexandre]
[Fotos: Rip 2 My Youth]