O segundo disco de White Haus está mais rico, com um som mais homogéneo e mais ritmado, e também mais psicadélico. Quem o diz é o João Vieira, autor do projeto, que nos dá em Modern Dancing um espresso eletrónico que nos deixa a querer mais. A Mais Superior foi falar com ele sobre as novas “malhas”.
O primeiro disco de White Haus surge numa altura complicada da tua vida. O que lanças agora (Modern Dancing) é como que uma transição, ou já representa uma fase completamente diferente?
É uma fase diferente. A idade também traz as suas vantagens, e a maturidade acaba por ser algo bom em certos projetos. Por outro lado, sinto-me um pouco mais liberto e menos preocupado com o que as pessoas poderão pensar do meu trabalho. Sou uma pessoa mais autocrítica, e até posso fazer música que não agrade a toda a gente, mas desde que tenha identidade é o que importa.
Este é também o meu disco mais pessoal, onde arrisco mais e aposto em coisas diferentes, como as caixas de ritmos e os psicadelismos. Depois de passar uma fase musical em que fazia tudo muito certinho, percebi que ser músico é muito mais que isso, e que tem de haver este lado meio louco…
Traduzir uma multiplicidade de sentimentos num projeto musical eletrónico e eminentemente dançante é mais complicado? Normalmente associamos a música de dança a algo alegre…
Depende das músicas. Há música eletrónica triste e melancólica, há discos que oiço e que me transmitem nostalgia… Às vezes o tipo de som que faço, com as caixas de ritmos por exemplo, levam-me para um lado mais alegre e mais cómico, mas depois também posso ter uma música como a A Ghost, que é mais melancólica e que usa sintetizadores com acordes menores e mais tristes.
Acho que não nos podemos limitar a pensar que isto vai para um lado ou para o outro, e que devemos deixar-nos levar quando estamos a compor.
E como é que se mistura tudo isto ao vivo?
Acho que, num concerto de uma banda nova, haver uma linha e uma identidade, mas haver também músicas que vão para sítios diferentes, pode tornar o concerto mais interessante. Se estás sempre lá em cima ou sempre cá em baixo, isso mata o concerto… E saber equilibrar isso, tal como a duração do concerto, também é uma arte. As pessoas querem chegar ao fim e dizer “isto foi fixe, quero investigar e ouvir mais”!
E este disco foi feito a pensar no registo de banda ao vivo?
Não, foi feito a pensar no disco. É claro que penso sempre nos concertos, mas com dois discos editados já tenho várias músicas que posso escolher, e não preciso de tocar este disco todo. Procurei fazer algo curto, interessante e que acaba de forma brusca, que fica ali no ponto e que não chega a maçar. Apostei também pela primeira vez nos interlúdios, que funcionam no meio do disco e que nos transportam para momentos de descanso e de alívio. O alinhamento de um disco é vital.
Em concerto, o projeto White Haus é para ti um desafio ao nível da técnica?
É uma dor de cabeça, porque é muita coisa. Enquanto que nos X-Wife as canções são criadas em ensaio e não há segundas vozes ou segundas guitarras, em White Haus é tudo feito em estúdio e há temas para os quais precisaria de 6 ou 7 músicos em palco. Tenho de fazer escolhas entre os vários elementos que compõem as canções, tentando sempre torná-las o mais orgânicas possível. Mas isso tem o reverso da medalha, e se te preocupas demasiado com a parte técnica, acabas por não estar tão solto em palco, e o espetáculo perde com isso.
És um bom exemplo de como pode ser benéfico ter vários projetos em paralelo? X-Wife ajudou-te em White Haus, e White Haus ajudou-te em X-Wife?
Acho que pode beneficiar, sobretudo no caso dos X-Wife, porque todos os seus elementos produzem música para além da banda. Noto que todos nós crescemos muito como músicos, e que passámos a ver a música de forma diferente. Para nós isso não significou perder espontaneidade, aliás, o maior sucesso dos X-Wife foi composto após termos todas estas experiências paralelas, que foi o Movin’ Up, que fez parte da banda sonora do FIFA, e para o qual fomos duas vezes ao estúdio. Isso é trabalho de produtor, e isso é reflexo da nossa exigência cada vez maior, e da noção do que pode funcionar.
“White Haus evoluiu para um som melhor construído e mais rico, com mais ritmo e mais formato de canção. Ao vivo, isso vai traduzir-se num som mais homogéneo.”
E os restantes membros de X-Wife, são fãs de White Haus?
Sei que eles gostam do meu trabalho. Não sei se serão propriamente fãs que oiçam o disco em casa, mas olham para isto como um trabalho bem feito, e como me conhecem bem, sabem que vem da minha cabeça e acham piada. Acho que pensam que é um trabalho que não deixa ficar mal os X-Wife!
Eu próprio gosto bastante do trabalho do Rui (Rui Maia, aka Mirror People), sobretudo este último disco. Mas não sei, acho que hoje em dia é difícil ser fã de alguma coisa…
Esse teu decréscimo de entusiasmo com a música no geral, e com o rock em particular, traduz a orientação dos projetos musicais atuais? A grande aposta é em torno da eletrónica, do EDM e de tudo isso?
Quando comecei com Club Kitten em 2001, surgiram muitos projetos interessantes, de vários géneros. Uns Strokes ou uns Liars, Franz Ferdinand, LCD Soundsystem, Peaches… Houve uma variedade tanto de eletrónica como de rock que tornava a música excitante, e hoje não vejo assim tantos projetos que me entusiasmem, e não me vou forçar a gostar de coisas que acho medianas. Talvez a Grimes…
Acho, contudo, que há muita coisa interessante a ser feita agora na música de dança, e é praí que eu estou mais virado.
E o que sentes que mudou desde o The White Haus Álbum? Para onde está a evoluir o teu projeto?
Acho que evoluiu no sentido de ser um som melhor construído e mais rico, com menos sintetizadores e mais ritmo e mais formato de canção. Depois, ao vivo, isso vai traduzir-se num som mais homogéneo, porque consigo recriar melhor este disco em concerto. Já o disco anterior é mais caseiro.
Para onde vai, já é algo mais imprevisível. O sucesso ou a falta dele é cada vez mais difícil de prever, por isso o que quero mesmo é fazer o melhor e o mais interessante trabalho possível, pensando sempre muito bem em tudo, desde a capa do disco à disposição dos músicos em palco, aos vídeos e ao som que coloco nos sintetizadores, há ali todo um trabalho quase de maestro para organizar tudo. Dentro dos meus recursos limitados, tento fazer um trabalho o mais interessante possível.
[Entrevista: Tiago Belim]
[Fotos: Luís Espinheira]