Entrevista | PICAS: “Acabar de escrever uma canção é a melhor sensação do mundo”
É com uma guitarra que PICAS melhor se expressa, com melodias doces e poemas-canção, tendo sido no seu quarto, com (apenas) quinze anos, que construiu as suas primeiras canções.
Agora, parte de uma trilogia de singles que contam uma mesma história, “Tatuagens“ deu o mote para os capítulos seguintes: “Última Vez” e “Promessas”, sendo o ponto de partida para o álbum de estreia.
Maria Manuel Casal Ribeiro — Porquê Picas?
Picas é a alcunha que me chamam desde criança. É o nome que quase toda a minha família e amigos me chama, por isso é aquele com que mais me identifico. Achei que fazia sentido apresentar-me com esse nome enquanto artista, porque realmente é assim que me apresento também na minha vida pessoal.
Apesar de viveres, atualmente, em Lisboa, és natural da Invicta. Que marca identitária carimba a raíz nortenha?
Eu nasci no Porto e apesar de ter vindo para Lisboa quando era pequenina, continuo a considerar o norte como a minha “raíz”. Tenho a maior parte da minha família no porto e, por isso, sempre passei muito tempo nesta cidade maravilhosa. Identifico-me com a generosidade e autenticidade das pessoas. É um lugar onde me sinto em casa.
Licenciaste-te em Ciências da Comunicação, com especialização em Cinema. Contudo, a devoção pelo “poder transcendente” da arte musical assumiu o primeiro plano na tua vida, ingressando no Hot Clube de Portugal em Jazz. Que papel representa a base clássica no teu indie pop?
Foi muito bom estudar música, porque ter certas bases musicais permite-me explorar harmonias e melodias que se calhar não iria explorar sem ter esse conhecimento. Fazendo uma analogia é um bocado como aprender palavras novas. Quanto mais palavras aprendemos, mais palavras podemos usar para escrever. No entanto, não é por usar palavras caras que um texto vai ser melhor. É sobre a história e a emoção que este passa. Acho que isto é o mesmo que acontece com a música. É bom termos as ferramentas, mas não quer dizer que temos de as usar sempre ou que vão valorizar sempre a música.
A verdade é que foi aos quinze anos que esboçaste as tuas primeiras canções, ao ritmo dos simples (mas poderosos) acordes acústicos. Que influências te conduziram a mergulhar no profundo (e complexo) oceano das palavras?
Quando tinha quinze anos, a minha maior inspiração para escrever era sem dúvida o cantor e compositor Alex Turner. Eu era mesmo groupie dos Arctic Monkeys e sempre admirei imenso os jogos de palavras e a poesia simples que ao mesmo tempo era tão profunda nas suas músicas. Quando comecei a escrever as minhas primeiras canções eram todas em inglês, também influenciada pelas bandas indie rock que ouvia na altura.
Em 2020, revelaste-te ao mundo como intérprete, no The Voice Portugal, onde deste voz a temas de Rui Veloso, Tom Jobim ou Aretha Franklin. A experiência impulsionou-te a arriscar e a explorar, mais aprofundadamente, o universo dos holofotes? Abriram-se portas e trilharam-se novas rotas?
Abriram-se portas com o The Voice, mas especialmente, porque eu abri essa porta na minha cabeça. O que quero dizer com isto é que depois na minha experiência no the voice eu comecei a acreditar que as pessoas me queriam ouvir e a perceber que eu queria partilhar as minhas histórias, através da música. Comecei a escrever mais e as oportunidades surgiram naturalmente.
Com uma Pós-Graduação em Storytelling, escrever é terapêutico, levando-te a exorcizar sentimentos?
Escrever sempre foi o meu porto seguro. Sou muito melhor a expressar-me por escrito do que a falar. Sempre escrevi no meu diário em criança e sempre gostei de escrever cartas às pessoas de quem gosto, porque é a melhor forma que tenho de expressar os meus sentimentos. Quando escrevo, tenho a sensação de esvaziar a cabeça e passar para o papel tudo o que me atormenta.
Com melodias doces e poemas-canção, os teus temas cantam histórias de cariz autobiográfico ou desabrocham do teu exercício observacional?
Todas as minhas canções são autobiográficas. Eu acredito que se sente quando uma canção é mesmo pessoal e íntima para o artista e isso acaba por ressoar nos outros.
A “Orquídeas” junta-se “Volta para mim” e “Nos meus lençois” à épica trilogia, composta por três capítulos de um “processo de crescimento e autodeterminação”, sendo “Tatuagens” o primeiro já revelado. Que inspirações a construíram?
Quando eu estou a compor não penso muito em inspirações, simplesmente escrevo aquilo que me sai mais naturalmente. Escrevi a música “Tatuagens” em cerca de vinte minutos à guitarra. A única coisa que escrevi mais à frente foi a bridge da canção, que inicialmente não existia. Mesmo em termos de produção não tivemos inspirações muito específicas. O processo de construir a canção foi muito natural, porque já sabíamos que tipo de ambiente a música pedia.
“A pele é o maior órgão do corpo humano e uma vasta tela, onde registos e memórias se imprimem.” O documentário “As tuas tatuagens nas pontas dos meus dedos revelam-me segredos” manifesta ser um auxílio visual na transmissão eficaz da mensagem pretendida?
O documentário aconteceu, porque eu queria mesmo gravar estes testemunhos das histórias e significados por trás das tatuagens das pessoas. Acho que é muito interessante saber o que é que cada pessoa decide tatuar no seu corpo para a vida inteira.
“Última Vez” e “Promessas” serão os próximos singles. E a sequela? Editar um disco faz parte dos planos?
Sim, a trilogia vai ser integrada num disco que será editado ainda este ano. Estou muito entusiasmada para o partilhar com o mundo.
Até chegares à versão final de uma canção, como é o teu processo de escrita e criação? Qual é a parte mais bonita e a mais incitante?
Para mim a melhor parte é mesmo o momento em que acabo de escrever uma canção à guitarra ou ao piano. Acabar de escrever uma canção é a melhor sensação do mundo. A sensação de criar uma coisa do zero, que agora existe e saiu totalmente do nosso imaginário. Essa é sem dúvida a minha parte preferida. A parte da produção exige mais paciência, porque até chegarmos ao resultado que queremos pode demorar algumas versões. Para mim às vezes torna-se frustrante, porque sou muito perfeccionista e fico muito vidrada nos detalhes, mas depois compensa quando ouço o resultado final.
Considerada uma das maiores revelações nacionais… O que podemos ansiar para 2024?
Para 2024, podem esperar muita música nova. Estou mais focada do que nunca, mais certa de quem sou enquanto artista e tenho muitas horas de trabalho que acho que vão dar frutos este ano. Quero muito partilhar tudo convosco.
Perguntas rápidas
Quais são as músicas que não podem faltar na tua playlist?
Na minha playlist não pode faltar música portuguesa. Se for uma playlist de festa não pode faltar a música “Quem és tu miúda?” dos Azeitonas. Se for uma playlist para chorar, não pode faltar a música “Tudo o que eu te dou” do Pedro Abrunhosa, que é também uma das músicas preferidas do meu pai e que por isso ouço muito desde pequenina.
Qual é o teu maior guilty pleasure?
Eu não me sinto “guilty” por nenhum “pleasure”. Posso ouvir música que se calhar tecnicamente não é tão “boa”, mas que me diverte ou assim. Eu gosto muito de ouvir música pimba em ambiente de festa, especialmente durante as festas populares com as quais vibro imenso.
Qual é o filme ou série da tua vida?
Um filme que vi recentemente e que gostei mesmo muito foi o “Il Postino”. É um filme muito bonito sobre poesia, mas também sobre a amizade. O poeta Pablo Neruda vai viver para uma ilha em Itália e fica muito amigo do carteiro que lhe leva o correio, a quem ensina a arte da poesia, mas na verdade acaba por ser ele quem aprende mais com o seu novo amigo. Em termos de séries, gostei mesmo muito da série “The End of the Fuck*** World”, porque adoro aquelas personagens insólitas e a estética da série.
Qual é o teu lugar predileto para compor?
Eu gosto de compor sozinha no conforto da minha casa.
Tatuagens: Sim ou não?
Tenho duas pequeninas. Uma no tornozelo e uma nas costelas.