(Artigo elaborado pela Dra. Frederica Passos, médica psiquiatra, em colaboração com o Dr. Miguel Constante)
Numa realidade não assim tão distante, temos princesas com as chaves de todas as portas e baús do castelo (não vá ela perder o controlo que tem sobre ele) e príncipes com alfaiates e pajens que ditam como a princesa deve vestir e agir.
Violência no namoro: Somos uma plateia passiva perante a alegoria no palco?
Existem diversos livros de A a Z e dos 0 aos 10 anos que servem como guia para os pais que querem educar os filhos de forma adequada. Há ainda aqueles que prolongam a bibliografia até à Puberdade e os ensinam a ter “a conversa” tão temida da cegonha… Surge, então, a questão: o que acontece depois disso ? Depois das abelhas e das flores, das cegonhas e das fichas e tomadas?
Portugal está entre os países com as taxas de divórcio mais elevadas. Apenas 1 em cada 3 casamentos vinga – o que nos leva a pensar “Com que exemplos de amor, respeito e comunicação estamos a educar as crianças portuguesas?”. Uma consequência alarmante desta realidade é a taxa de violência no namoro entre os jovens portugueses.
56.5% já foram sujeitas/os a, pelo menos, um ato de violência no namoro. 56.2% das mulheres e 57.3% dos homens figuram como vítimas.
36.6% já praticaram, pelo menos, um ato de violência no namoro. 34.4% das mulheres e 43.4% dos homens figuram como agressoras/es.
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Que tipos de violência existem e quais os números por detrás deles?
(De acordo com o Estudo Nacional sobre a Violência no Namoro em Contexto Universitário: Crenças e Práticas e o Estudo nacional, feito pela UMAR)
- Violência Psicológica: a mais prevalente nas relações de namoro.
Ela: (entra cabisbaixa na consulta e não me olha nos olhos, pé ante pé para não fazer barulho) “Deixei de dançar…Até tinha jeito…Mas ele não gosta”.
F 21.1% já foram ignoradas, desprezadas, humilhadas, envergonhadas ou tratadas com indiferença. M 15.2% já foram criticados, insultados, difamados ou acusados sem razão.
14% dos e das jovens não reconhecem esta forma de violência. 9% dos/as jovens não consideram que ameaçar a outra pessoa seja um ato violento. 31% legitima a proibição de estar ou falar com um/a amigo/a
- Violência Física: F 8.3% já foram fisicamente magoadas, empurradas, pontapeadas, esbofeteadas ou alvo de murros ou cabeçadas. M 5.2% já foram fisicamente magoados, empurrados, pontapeados, esbofeteados ou alvo de murros ou cabeçadas.
- Violência Social: F 20% já foram controladas na forma de vestir, no penteado ou na imagem, nos locais frequentados, amizades ou companhias. M 9.5% já foram alvo de maledicência ou de boatos na escola ou em locais ou grupos frequentados regularmente.
Ele: (de pé à porta do gabinete, a tentar sem sucesso desligar o telefone, ouço-o dizer) “Não é nada, não vou fazer queixinhas de ti, só ando um bocado nervoso e marcaram-me consulta…”
15% não considera violento a partilha, sem autorização, de mensagens ou fotos
- Violência Sexual: F 7.2% já foram obrigadas a ter comportamentos sexuais não desejados. M 2.4% já foram obrigados a ter comportamentos sexuais não desejados.
36% legitima pressionar para beijar à frente dos/as amigos/as
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Pode ser preciso contactar um médico Psiquiatra?
A violência no namoro é um forte indicador de saúde mental nos adolescentes e jovens adultos.
Correlaciona-se com a depressão, stress pós-traumático, perturbação borderline da personalidade, ideação suicida, comportamentos auto-lesivos, abandono escolar e impacto académico.
Sinais de alerta:
- Perde o interesse pelas atividades que anteriormente gostava.
- Deixa de sair com outros amigos/familiares (“Não me apeteceEstou cansada…Vai ser aborrecido”)
- Recebe, constantemente, mensagens a questionar onde e com quem está. (“Estou com o António…O quê, queres que lhe passe o telefone ?”)
- Desculpa-se pelo comportamento do namorado/a. (“Ele está a brincar, é só um bocado brusco, às vezes”)
- O namorado/a goza e critica à frente de outras pessoas.
- O/A namorado/a reage bruscamente quando está a falar com outra pessoa do sexo oposto. (“Parece oferecida, devia ter respeito e nem olhar”)
- Tem ou tenta esconder nódoas negras em qualquer parte do corpo
Fatores de Risco
- Álcool (facilitador comum)
- Drogas
- Vítimas de abuso sexual na infância
- Patologia mental dos agressores/vítimas
- Ambiente familiar conflituoso
- Círculo de amigos pouco apoiante
Como podemos evitar?
Os dados nacionais mostram que uma percentagem importante dos adolescentes não identificam certos atos como violentos. Será por conviverem com exemplos abusivos? Por falta de informação? Por vergonha?
Portanto, FALEM.
Tratam-se de adolescentes, com quem a comunicação nem sempre é fácil… O que podemos ter a certeza é que, mesmo não tomando a iniciativa de abordar este tema, eles ouvem-nos.
Sem pré-concepções, sem juízos de valor, sem tabus, sem dramas. Não entrem a matar, mas também não precisam de sussurrar como se o bicho -papão estivesse atrás da porta.
Pais: comecem a conversa sem grandes formalismos ou expectativas.
- Dê exemplos de casos de violência que tenha lido ou visto num filme
- Falem abertamente sobre sexting, ciúme, controlo
- Falem sobre o que é uma relação afetiva saudável, sobre respeito e direito à privacidade.
Amigos: há sempre aquele no grupo que é mais direto, outro que é mais poético, aquele mais pragmático … o que interessa é FALAR
- Perguntem como vai o namoro
- Falem da vossa própria relação (presente ou passada)
- Comentem a relação dos outros (sim, todo o adolescente adora uma boa coscuvilhice)
- Ouçam muito e dêem espaço ao vosso amigo/a para falar
Docentes: sem correr o risco de serem intrusivos ou envolverem-se demasiado, prestem atenção aos sinais de alarme e abordem o/a vosso aluno/a, sem grande expectativa do que será a conversa ou pressão para ele/a desabafar.
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Onde pedir ajuda
Através do número da APAV – 707 200 077 (10h00-13h00/14h00-17h00 – dias úteis).