À beira de completar 70 anos de idade, o Tio Quim mantém a energia e o espírito jovem que continuam a fazer dele uma presença obrigatória em tudo o que é semana académica. A Mais Superior já lhe devia uma entrevista e uma capa neste mês de maio, e elas aqui estão. Foi alegria que pediram?
Viajámos até ao Porto, onde encontrámos o rei da música popular portuguesa num jantar de amigos. Chegámos tarde mas isso não o impediu de fazer jus à fama de bom anfitrião, oferecendo-nos jantar. Ficámos pelo fino. Quim Barreiros junta-se a nós e pede “um copo de branco”, antes de começarmos a conversa.
Para si é vinho ou cerveja? Já percebi que é vinho…
Epá gosto das duas coisas.
Li que nunca apanhou uma bebedeira na vida…
Não, não. Sou um homem que nunca na minha vida apanhei uma bebedeira, não sei o que isso é. Acredita! Sei beber até ali, e depois pára.
Maio é o mês por excelência das festas académicas. Onde é que vai marcar presença este ano?
Em praticamente todo o lado. Que eu me lembre, vou andar por Fafe, Barcelos, Vila Real, Porto, Viseu, Coimbra, Lisboa – em dois ou três sítios –, Évora… Epá eu sei lá, são tantas… Viana do Castelo! Também lá vou.
Festa académica não é festa académica sem o Quim Barreiros. Ainda se lembra da primeira em que subiu ao palco?
Tenho dúvidas. Tenho documentos oferecidos por académicos antigos – na altura em que ainda não havia nem Federação Académica do Porto nem Queima das Fitas – de um evento chamado Festival do Grelado, em 1988, já lá vão quase 30 anos. Mas não sei se a primeira vez foi aí ou em Coimbra…
“Tenho a certeza que tenho sido, ao longo dos anos, o abono de muitas festas académicas.”
E de entre todas essas presenças em festas académicas, há alguma que o tenha marcado especialmente?
Sinto sobretudo que houve uma grande evolução ao nível da organização das academias. As festas evoluíram… Meu Santo Deus, evoluíram muito mas mesmo muito! Olha que, para receber o pagamento pelo espetáculo, cheguei a ter situações de estar a contar nota a nota, com elas manchadas de vinho…
Mas diria que o meu sucesso começou nos eventos do Porto e de Coimbra, e todas as outras surgiram no seguimento disso. Desde aí nunca mais deixei de fazer festas académicas, e tenho a certeza que tenho sido, ao longo dos anos, o abono de muitas delas. Às vezes há prejuízo com este ou aquele artista, mas quando chega o Quim Barreiros recupera-se o dinheiro e pagam-se as dívidas.
Disse numa entrevista que é mais barato do que muitos, e que garante sempre casa cheia.
E repito: Garanto casa cheia! Há muita gente que só vai no meu dia porque estou lá eu.
Ainda está a fazer os 69, mas já a chegar aos 70. Como é que se sente por ser uma referência para a malta mais nova?
Sinto-me feliz pelo caminho que percorri. Já não tenho de provar nada a ninguém e tento aguentar-me. Haja saúde! E eu sei que a malta é irreverente e gosta da malandrice, e isso vai de encontro àquilo que eu sou há muito tempo como artista, e ao que tenho apresentado nos meus discos. E gostava de fazer mais alguns, mas entretanto percebo que o fole da gaita já está todo roto…
Mas ainda tem mais uns aninhos…
Enquanto eu tiver saúde vou andando, quando vir que não meto a gaita no saco e vou embora. Isto tem uma duração e eu não quero andar a arrastar-me em cima de um palco. Vou saber parar, não tenho dúvida nenhuma disso.
Quando não está no palco, como é o Quim Barreiros nas festas académicas? Aproveita para conviver com os fãs ou é mais recatado?
Ó bacano, como sabes eu sou um homem do Minho, e por isso acaba por haver sempre mais contacto com a malta de Viana do Castelo, de Braga e do Porto, por exemplo. Há sempre uns jantares e um contacto mais íntimo. Com aqueles de mais longe não há tanto essa oportunidade porque acabo por chegar para tocar, mas costumo estar pelo menos com as pessoas da organização, e fazem-se sempre amizades, que muitas vezes perduram para lá do curso deles. Eu sou um gajo humilde, um gajo da malta.
O seu filho mais novo tem 24 anos. Também é da opinião que isto está muito mau para eles?
Ó meu querido, nunca houve um ano em que eu achasse que as coisas eram um mar de rosas. Sempre houve facilidade para uns e dificuldade para outros, e isso mantém-se. O estudante, quando está na universidade, é o futuro do país; quando acaba o curso torna-se num problema social. O que eu digo à malta é: Não parem! Tentem sempre! E alguns, se puderem, que saiam daqui, porque o futuro de muita gente está fora de Portugal.
“Faz muita falta sair debaixo da saia da mãe, daquela coisa do coitadinho. Não estejam é à espera que as coisas venham ter convosco, vão à procura delas.”
É isso que diz ao seu filho?
É. Aliás, ele está em França e já esteve noutros países. É o que eu digo, é sair daqui para fora, conhecer outra rapaziada do tempo deles e fazer outros contactos, que isso faz muita falta. Sair debaixo da saia da mãe, daquela coisa do coitadinho. Não estejam é à espera que as coisas venham ter convosco, vão à procura delas.
Se o Quim Barreiros fosse para a universidade agora, que curso escolhia?
Urologia. Médico urologista. Porque esse sim, esse é o médico do car****!
Este ano, o destaque é o seu último disco, Eu Faço 69. Há alguma coisa que tente mudar ou inovar de um disco para o outro?
Não, já é tarde para isso. Quando sai um disco meu, a malta está sempre à espera de brincadeira, e portanto eu não posso saltar fora. Fadista que é fadista tem de gravar fado, e o Quim Barreiros tem de gravar cantiguinhas com duplo sentido. Muitas vezes também vou buscar música do nosso folclore e vou misturando. Repara que o meu público é a malta nova, mas não só, e eu tenho de ir ao encontro de toda a gente.
Quantas músicas já escreveu?
Centenas delas. Sou capaz de já ter editado uns 70 ou 80 discos, agora multiplica por 10 ou 12 músicas…
E onde é que se vai buscar inspiração para escrever 700 ou 800 músicas?
É ao povo. Há muita coisa que eu tiro da cabeça, mas nas aldeias dão-me sugestões – perguntam-me se conheço esta ou aquela expressão – e eu vou apanhando coisas daqui e dali, vou escrevendo frases e fazendo cantigas de piadas ou de anedotas, e às vezes também leio livros antigos para retirar ideias…
E de todas essas músicas, qual é que mais o marcou?
Há músicas que me marcam, como o Mestre de Culinária. Pelo sucesso que foi e porque marcou o arranque de uma época na minha vida. Sabes que eu comecei por tocar, depois gravei música folclórica, depois avancei para canções como a do Bacalhau à Portuguesa, o Meu Dinossauro, A Cabritinha, A Garagem da Vizinha… Mas escolheria o Mestre de Culinária, porque é uma coisa muito simples e muito nossa.
Quim Barreiros é alegria e é folia. É assim que quer ser lembrado?
É, é. Onde chega o Quim Barreiros chega a alegria, e disso eu não tenho dúvidas nenhumas. Muitas vezes os músicos que tocam em festas e em casamentos mais snobes dizem-me que, quando tocam Quim Barreiros toda a gente sai da mesa, tudo salta e tudo dança. Eu fico orgulhoso e isso diz-me que eu transmito alegria. Eu sei que sou um homem alegre, e nestes últimos anos que me restam, quero sobretudo passar alegria aos outros.
E há alguém que possa substituir o Quim Barreiros, quando ele pendurar o acordeão?
Não, não me parece. Não é fácil aparecer alguém como eu. Tomara eu que acontecesse, ficava todo contente.
[Entrevista: Tiago Belim]
[Fotos: cedidas pelo entrevistado]