Diz uma velha máxima que “um canudo não é mais que uma licença para começar a aprender”, e perante o mercado de trabalho, o gosto pela aprendizagem e a preocupação em atualizares-te são indicadores que podem fazer a diferença. Mas será que deves escolher uma pós-graduação, um mestrado ou um doutoramento? A Mais Superior, com a ajuda de um professor universitário e de uma especialista em recrutamento, dão-te uma ajuda.
A Pós-Graduação
É a especialização com menor duração, ideal para quem quer aprofundar uma determinada área e adquirir ferramentas práticas de ação. Deve responder às novas necessidades do mercado e/ou acompanhar as novas tendências empresariais, e por essa razão não tem geralmente um cariz muito teórico, embora explique os fundamentos teóricos e de investigação que estão por detrás destas ferramentas.
Miguel Pereira Lopes é coordenador do curso de Gestão de Recursos Humanos do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), e refere que a pós-graduação deve ser essencialmente “uma aplicação prática do que se aprendeu na licenciatura, mais focalizada nas ferramentas e no seguimento da inclinação profissional que a própria licenciatura deve conter”.
Dito de outra forma, é “uma especialização vocacionada para a aquisição de ferramentas específicas”, o que torna os seus objetivos “totalmente diferentes” dos que tem um mestrado.
Porquê tirar uma pós-graduação?
Se o objetivo é “adquirir competências em áreas específicas, onde o conhecimento das ferramentas já exista, ou onde possas assimilá-las, a pós-graduação é a melhor”, na opinião de Miguel Lopes do ISCSP, que dá o exemplo das formações que ministra: “Nós temos a pós-graduação e o mestrado em Recursos Humanos, e um dos temas transversais aos dois é a liderança. E aquilo que eu leciono na pós-graduação não tem muito a ver com aquilo que ensino no mestrado, porque no primeiro caso trabalhamos ferramentas específicas de como identificar, atrair, recrutar, selecionar e desenvolver líderes nas organizações”.
A pós-graduação proporciona uma mais-valia imediata, porque o aluno adquire competências e ferramentas que pode usar logo de seguida. Se quisermos usar como metáfora a pesca, poderíamos dizer que a pós-graduação dá a cana sem te ensinar a pescar. Isso é o que proporciona um mestrado.
O que diz o mercado de trabalho
Consultámos também o lado das empresas para perceber que importância atribuem às pós-graduações – neste caso, uma recrutadora. Margarida Dias é Talent Team Diretor da EY, e diz que há muitas variáveis a considerar: “Desde logo, a qualidade da pós-graduação. Por vezes, os alunos pensam que vão adquirir determinadas mais-valias que depois na prática não se verificam”, aponta. Para minimizar as hipóteses disso acontecer, deves “tentar falar com quem já fez e avaliar os ganhos obtidos, bem como aconselhares-te com professores ou especialistas ‘práticos’ na matéria”, defende esta especialista.
E quando a empregabilidade é a maior das preocupações, importa refletires também sobre “o que pretendes atingir com este grau académico, e o que podes efetivamente fazer com ele quando o completares”, conclui Margarida Dias.
O Mestrado
Se a licenciatura e a pós-graduação te ensinam a utilizar o retroprojetor, no mestrado aprendes o que está lá dentro, como projeta e o porquê de funcionar como funciona. É um grau científico que te ajuda a formar uma perspetiva crítica e a adquirir competências para melhorar as ferramentas existentes, ao passo que a licenciatura e a pós-graduação se dedicam sobretudo à aplicação e utilização dessas mesmas ferramentas.
Um mestrado pode ter a duração de dois ou de cinco anos, sendo que os primeiros são formações que existem por si próprias, e os segundos têm a designação de Mestrado Integrado, referindo-se a um curso composto por dois ciclos – o 1º ciclo, ao fim do qual é conferido ao aluno um diploma com o grau de licenciado; e o 2º ciclo, no final do qual adquires o grau de mestre.
Segundo Miguel Lopes do ISCSP, enquanto a pós-graduação “é mais reativa e ensina o aluno a utilizar as ferramentas, o mestrado é mais proativo e não lhe vai ensinar tanto, obrigando o aluno a aprender mais”. E de acordo com este professor, “as palavras ensinar e aprender, que são muitas vezes tomadas como equivalentes, são na verdade o oposto porque a aprendizagem tem de ser ativa, e quem recebe o ensino é passivo”.
Porquê tirar um mestrado?
Apostares neste grau científico implica seres mais autónomo, e propores-te fazer investigação sobre um determinado tema, e ficares habilitado a poder propor – ou mesmo construir – novas ferramentas no futuro.
E se antes de Bolonha o mestrado não gozava de um valor de mercado tão grande – porque os jovens formados já tinham completado cinco anos de licenciatura – neste momento a questão coloca-se mais a quem não tem mestrado, de acordo com a visão de Miguel Lopes: “Atualmente, o mercado de trabalho aponta de imediato – tu não tens um mestrado”.
No entanto, para o responsável do curso de Recursos Humanos do ISCSP, “a expetativa dos alunos ao fazerem o mestrado não deve ser tanto a aquisição de ferramentas imediatas, mas sim o pensamento que vão ter. O mestrado é muito mais um investimento de longo prazo”.
O Doutoramento
É a mais expansiva das formações superiores, e aquela que mais interrogações coloca. Voltando à metáfora do retroprojetor, esta seria a fase de perguntar “para que queremos nós um retroprojetor?”.
Os programas de doutoramento têm a duração de três ou quatro anos e incluem a aprovação num plano curricular e a defesa de uma tese – estas teses originam, repetidas vezes, livros que ajudam outros alunos nas suas pesquisas académicas. São geralmente mais aconselhados a quem procura uma carreira académica ou está empenhado em contribuir com novas pesquisas para a sociedade.
Para o professor Miguel Lopes, um doutoramento é um investimento a vários níveis, e que deve ser bem ponderado. “Saber não ocupa lugar, mas acaba por ocupar tempo. Quando a pessoa está a estudar, não está a fazer outras coisas. Apesar de estudar ser bom, no mundo real isso não é tão linear e por isso as pessoas deveriam planear mais estrategicamente o seu investimento no ensino”, alega, antes de concretizar: “O doutoramento é uma maratona e implica um conjunto de investigações que permitem ganhar conhecimentos consistentes e que vão ser adicionados aos que já existem”.
Atualmente, existe em Portugal uma classe cada vez maior de doutorandos, mas apenas cerca de 10% acaba por concluir o doutoramento. O profissional do ISCSP com quem falámos defende “um maior realismo”: “Por vezes parece que alguns alunos pensam que o doutoramento é um mestrado avançado. Há que ser mais realista em relação ao tempo e esforço que um doutoramento exige”.
Porquê tirar um doutoramento?
No que ao rigor diz respeito, não existem diferenças entre um mestrado e um doutoramento, porque ambos são graus científicos. A diferença está no facto do doutoramento desafiar o conhecimento que já existe, e ir à procura de novas fronteiras.
Historicamente, o doutoramento sempre foi vocacionado para fins académicos, mas hoje pode ser aplicado também em fins profissionais, e existem inclusivamente empresas que incentivam à realização de um doutoramento. Optar por esta formação é hoje em dia interessante para quem queira “uma carreira académica no imediato ou no futuro, ou para quem queira valorizar o seu currículo e diferenciar-se dos restantes colegas, ou ainda para quem esteja interessado em lançar novas ideias, novos negócios ou tecnologias (empreendedores ou intraempreendedores)”, de acordo com Miguel Lopes.
O que diz o mercado de trabalho
Os doutorados situam-se, muitas vezes, num plano académico que não encontra correspondência no mercado de trabalho, e são vários os casos em que as empresas acabam por preterir estes candidatos por “excesso” de qualificações e pela eventualidade de esperarem auferir salários superiores aos demais.
Para Margarida Dias da EY, esta é “uma questão cultural e de modelo de desenvolvimento económico” e defende que é necessário “trazer cada vez mais os doutorados para o mercado de trabalho, e que seria salutar abrirem-se outras alternativas de trabalho aos doutorados, sem preconceitos e derrubando estereótipos”. De acordo com esta especialista em recrutamento, estamos atualmente “em pleno processo de transformação económica social e cultural e, por isso, é uma questão de tempo”.
Especializar ou apostar na abrangência?
Perguntámos também ao coordenador do curso de Recursos Humanos do ISCSP o que deves afinal fazer no final da licenciatura: Especializares-te na tua área de formação, ou abrires o leque e procurares outra área que complemente a tua?
E a resposta é que não há uma resposta definitiva. Pode haver sim dois raciocínios interessantes sobre isso. Para Miguel Lopes, “por defeito, quando especializamos, fechamos alternativas. Mas depois conclui-se que a especialização não é muito negativa para quem quer fazer transições no mercado de trabalho. Ou seja, quando eu especializo, ganho um conjunto de competências que podem ser transversais para quando eu tiver que mudar de área – adquiri soft skills”.
Por outro lado, este professor defende que “cruzar tem grandes benefícios porque o teu valor no mercado é tanto melhor quanto mais único fores. Essa acaba por ser a grande filosofia de base de Bolonha e, no limite, se cada um fizesse percursos formativos completamente diferentes seríamos todos únicos e o nosso valor de mercado seria tendencialmente maior”.
Mudar de instituição de ensino, sim ou não?
Outra das dúvidas legítimas de quem quer continuar a estudar após a licenciatura está relacionada com a instituição de ensino a escolher. Optar por aquela onde te formaste ou descobrir uma nova?
Margarida Dias da EY sustenta que “é mais enriquecedor se não se fizeres tudo na mesma instituição, e se diversificares a tua formação nos teus professores, nos teus colegas e até nos teus percursos programáticos”. Uma ideia que Miguel Lopes corrobora: “É vantajoso poderes circular por mais organizações porque isso vai permitir-te conhecer mais pessoas, alargar horizontes e perspetivas de análise, e ganhar uma visão mais madura. Contudo, se estiveres satisfeit@ com a tua faculdade e se ela tiver a oferta que procuras, também não acho que seja negativo continuares.”
[Reportagem: Tiago Belim]