Uma homenagem ao professor, ao atleta, ao homem e ao amigo. É assim que o jornalista Fernando Correia apresenta Moniz Pereira – Vida e Obra do Senhor Atletismo, a única biografia contada na primeira pessoa por uma das mais importantes figuras de sempre do desporto nacional. A Mais Superior foi tentar descobrir um pouco mais sobre o livro e a lenda.
Este foi um livro que foi sendo feito ao longo da vida do Prof. Mário Moniz Pereira?
Sim, foi mais ou menos assim. Na verdade, o Prof. Moniz Pereira nunca gostou muito de falar de si próprio, sempre achou que o mais importante eram os atletas, e por isso queria ficar em segundo plano. Apesar disso, por altura dos anos 2000, quando percebemos que ele já evidenciava alguma dificuldade em assumir as suas funções no Sporting, e à medida que foi sendo substituído, eu disse-lhe que estava na altura de gravarmos uma conversa, e assim fizemos. Sempre que havia uma hora ou duas em que estivesse disponível, lá falávamos mais um pouco sobre a história da sua vida. E como deves imaginar, histórias não lhe faltavam.
A primeira edição do livro acabou por ser apresentada em 2004, mas teve pouca visibilidade. Agora, atualizámos a história dele com o que faltava contar dos seus últimos anos de vida, e decidimos publicar algo que não é para fazer dinheiro, mas sim para prestar a nossa homenagem ao Prof. Mário Moniz Pereira.
O Prof. Moniz Pereira foi jogador de várias modalidades, treinador de outras tantas, preparador físico, dirigente desportivo, autor de canções… Como é que numa só vida é possível fazer tanta coisa?
Em primeiro lugar, porque ele era um homem com formação académica (estudou no INEF, atual Faculdade de Motricidade Humana), e soube adaptar-se às novas realidades que foram surgindo, nomeadamente no atletismo, que era a sua grande paixão. A dada altura, percebeu que os portugueses tinham uma apetência especial para as corridas de fundo e de meio fundo, e fundou uma verdadeira escola da especialidade em Portugal, que teve repercussões também no estrangeiro, através da introdução de novos elementos no treino. Foi isso que permitiu ao Carlos Lopes, ao Fernando Mamede e aos irmãos Castro, entre outros, tornarem-se grandes atletas.
Por outro lado, há algo que torna este livro ainda mais rico, que é a história da presença portuguesa em todos os Jogos Olímpicos dos quais fez parte o Prof. Moniz Pereira, e onde vamos descobrir atletas com marcas muito importantes para o desporto nacional.
Os atletas treinados pelo Prof. Moniz Pereira falam dele com uma grande estima e reconhecimento. Ao mesmo tempo, o relato que temos aponta para um homem que, no treino, era extremamente exigente e até obcecado. Como é que se consegue conciliar estas duas dimensões?
Os atletas perceberam que só com a exigência do Prof. Moniz Pereira conseguiam atingir as suas melhores marcas. Para eles, a dada altura, era realmente uma chatice terem de estar prontos a treinar diariamente, quer fizesse chuva ou sol – houve até, um dia, um atleta que lhe perguntou: “E se houver um terramoto?” E ele respondeu “corremos também!”
O Prof. Moniz Pereira dizia que havia três coisas fundamentais para se ser um grande atleta: treinar, treinar e treinar. E a verdade é que os atletas acabaram por reconhecer que era esta obstinação que tornava possíveis os bons resultados na pista. Sem o Mário, nunca teríamos saído da mediania.
Para além disso, importa dizer que, apesar de toda a exigência, ele era uma pessoa de muito bom trato, e em cada estágio havia sempre um piano para que pudesse tocar para os atletas. E não sabia nada de música, era tudo intuição.
Essa intuição também estava presente na sua vida desportiva?
Eu acho que tudo fazia parte da mesma estrutura do indivíduo. Ela era um génio, e só os génios é que conseguem isso. Ele tocava piano por intuição mas fazia melodias lindíssimas, e dizia que, na vida, só poderia ter sido duas coisas: ou músico ou professor de atletismo.
E no meio de tudo aquilo que fez, porquê colocar o atletismo acima de tudo?
Penso que foi exatamente porque ele percebeu que os atletas portugueses tinham, de facto, capacidade para fazer boas marcas. Ele andava sempre à procura de gente nova com potencial, porque tinha a capacidade de extrair do atleta tudo aquilo que ele tinha para dar. O Fernando Mamede é talvez o melhor exemplo disso – era um homem com medos e estigmas, e mentalmente algo débil – e o Prof. Moniz Pereira conseguiu fazer dele recordista mundial! O Fernando ainda hoje diz que ele é que foi o seu pai.
Por fim, se formos analisar os resultados e as medalhas que fomos conseguindo nas várias edições dos Jogos Olímpicos, eles foram sempre de maior expressão no atletismo, no fundo e no meio-fundo, com exceção do Obikwelu. Por isso é que eu digo e reforço: este livro é, sobretudo, uma homenagem a Mário Moniz Pereira, porque a mais ninguém ele contou a história da vida dele.
Se tivesse de escolher uma passagem deste livro, que represente quem foi o Prof. Moniz Pereira, qual seria?
Todo o episódio da paixão dele por Sintra, da casa do avô, das suas tropelias e da transformação de um quintal num espaço para a prática do atletismo, demonstra que, quando queremos muito uma coisa, não é o sítio onde estamos que nos vai impedir. Anos mais tarde, o Mário acabou por comprar uma casa também em Sintra, onde gostava muito de passar os fins de semana com a sua companheira, e onde reunia também toda a sua família. E até a família praticava desporto, aliás, até as senhoras mais velhas praticavam desporto adequado à sua idade. E eu sempre achei isso absolutamente maravilhoso.
Moniz Pereira – Vida e Obra do Senhor Atletismo
Autor: Fernando Correia
Editora: Guerra & Paz
Nº de Páginas: 232
P.V.P.: 17,00 euros
[Entrevista: Tiago Belim]
[Foto: Guerra & Paz]