Opinião| Estudantes internacionais no Ensino Superior: A transmissão cultural não é natural
A captação de Estudantes Internacionais por parte das Instituições de Ensino Superior Portuguesas é um processo que tem ganho relevância nos últimos anos, tanto como estratégia verbalizada pelas instituições, como pelo número de estudantes, que saltou de 1740 para 5512 entre 2017 e 2020, quando considerado apenas o concurso especial de acesso para Estudantes Internacionais.
Para além de considerações financeiras, uma importante motivação para a captação destes estudantes é o enriquecimento do campus com a presença de uma diversidade de culturas e contextos que permitem aos estudantes a obtenção de uma experiência internacional sem necessitarem de sair da instituição – este é o conceito de “Internacionalização em casa”, desenvolvido por Bengt Nilsson nos anos 90.
Assim, medir o sucesso da experiência cultural dos alunos internacionais é particularmente relevante. Estes estudantes, como parte da sua experiência global, vêm com a expectativa de crescerem culturalmente e de terem interações importantes com a cultura portuguesa.
No estudo “O Impacto Económico e Sociocultural dos Estudantes Internacionais em Portugal” que irei apresentar, no âmbito do consórcio Universities Portugal, na 2.ª Conferência de Internacionalização que vai acontecer na Universidade do Minho nos dias 24 e 25 de novembro, analisaram-se as perceções de alguns Estudantes Internacionais em Portugal em relação ao seu sentimento de pertença no país. Concluiu-se que os estudantes, em geral, não têm os contactos que desejariam com a cultura e com os habitantes portugueses. Estes identificam que a maior parte dos seus amigos em Portugal são outros estudantes internacionais, revelam que existe uma barreira entre os estudantes locais e os internacionais e identificam a necessidade de fomentar mais ligações afetivas com os locais para melhorar a sua experiência.
No estudo foi também avaliada a capacidade da partilha de culturas entre estes estudantes e os habitantes portugueses. Nesse particular os estudantes internacionais identificam uma maior capacidade de aquisição das especificidades culturais portuguesas, elencando esta interação com as comunidades como sendo um fator importante para melhorar a sua perspetiva sobre a vida e revelando que a mesma interação gera entusiasmo para ser transmitida à família e aos amigos. Contudo, no entender dos inquiridos, percebe-se que a transferência da cultura estrangeira para os portugueses obtém resultados inferiores, com poucos inquiridos a acreditarem que os portugueses tenham adotado hábitos típicos da sua cultura e que os professores não perguntam frequentemente sobre a cultura do estudante internacional.
O estudo abordou qual o papel das instituições de ensino superior e das organizações estudantis no apoio a esta dimensão cultural e, neste particular, os inquiridos atribuíram ao mesmo um peso modesto ou reduzido. No entanto, às organizações estudantis é reconhecida uma contribuição maior para o fomentar destas dimensões.
Assim, o estudo indica que estes estudantes ainda estão longe de uma integração plena com a cultura portuguesa, sobretudo com as suas pessoas e que as instituições de ensino superior poderão apoiar e dar mais expressão às organizações estudantis para uma integração mais plena destes estudantes na comunidade portuguesa. Entre estudantes locais, professores e órgãos de decisão, as instituições terão de repensar o seu papel para melhorar a experiência destes estudantes para cumprir os seus próprios objetivos de “Internacionalização em casa”.
Apesar dos resultados aqui sublinhados, praticamente todos os inquiridos recomendam a pessoas do seu país fazerem um programa de mobilidade em Portugal – um indicador geral de que o processo de internacionalização do ensino superior português está no caminho certo, apesar do seu crescimento abrupto.
Ricardo Biscaia
Investigador do Centro de Investigação de Políticas de Ensino Superior (CIPES)