Opinião | 5 mitos assustadores que afastam as mulheres de uma carreira tecnológica
Na semana em que se celebra o Halloween, devo confessar que poucas coisas me assustam tanto como os estereótipos gerados em torno das mulheres que escolhem profissões tech. Partilho a este propósito 5 mitos que contribuem para uma narrativa sociocultural enviesada e desencorajam as mulheres a interessar-se por estas profissões – levando a que apenas uma em cada quatro IT jobs seja ocupada por profissionais do sexo feminino, revelam o Pew Research Center e a Gartner.
Mito #1 – “As mulheres não se interessam por tecnologia”
As mulheres não possuem “aversão” pela tecnologia. O que possuem é “aversão” pelas barreiras socioculturais (preconceito, desigualdade salarial, etc.) enfrentadas nesta área. Também porque, desde muito cedo, as crianças são ainda induzidas a pensar que existem profissões “femininas” e “masculinas”, nas quais foguetões, videojogos, kits de ciência e aparelhos tecnológicos fazem frequentemente mais parte do imaginário dos meninos. É urgente mudar esta narrativa e encorajar as meninas a conhecerem o universo tecnológico e as figuras femininas inspiradores que a história tem: Ada Lovelace, considerada a primeira mulher programadora; Grace Hopper, a criadora da linguagem COBOL – COmmon Business Oriented Language; Hedy Lamarr, a mulher que há 80 anos patenteou a tecnologia para o Wi-Fi; Katherine Johnson, conhecida como o “computador humano” na NASA pelas suas extraordinárias contribuições; ou Radia Joy Perlman, responsável pela criação do Spanning Tree Protocol (STP), fundamental para operar em rede.
Mito#2 – “É preciso saber matemática e código para ter uma carreira tecnológica”
Claro que muitas mulheres possuem background académico e carreiras brilhantes em áreas como Ciências da Computação, Engenharia Informática, Sistemas de Informação, entre outras. Mas as possibilidades fora da matemática e do código manual são imensas – eu, por exemplo, tenho uma Licenciatura em Biologia e um Mestrado em Informática e hoje sou Software Developer a trabalhar numa empresa tecnológica pioneira na modelação e geração automática inteligente de software! Falar em tecnologia e em inovação impulsionada pela digitalização é hoje falar em muitas profissões em ramos como Gestão de Pessoas, Gestão de Projetos e Produtos, UX/UI Design, Marketing e Vendas, Customer Experience ou Data Science. Profissões que precisam não só de hard skills técnicas, mas também de soft skills comportamentais e humanas, tais como criatividade, pensamento abstrato, capacidade de adaptação e agilidade em contextos de permanente mudança. Em resumo: uma carreira tecnológica compreende um leque muito variado de competências.
Mito#3 – “As mulheres gostam de deixar os assuntos mais técnicos e complexos para os homens”
A verdade é que as mulheres ainda sentem insegurança em ambientes maioritariamente masculinos. E, muitas vezes, escolhem o silêncio durante uma discussão ou reunião em equipa. Mas isto não significa que não tenham nada a acrescentar ou a dizer sobre o assunto, seja ele mais ou menos técnico. Pode significar que têm muito a contribuir, mas têm receio de ser interrompidas, criticadas, corrigidas ou menosprezadas pelos seus pares masculinos. Estudos como o da Yoctoo apontam as situações de manterruping (interrupções feitas por homens), mansplaining (explicações óbvias de um homem para uma mulher), bropriating (quando um homem recebe créditos por ideias de uma mulher), e assédio moral e psicológico como os principais preconceitos sofridos por mulheres em ambiente laboral tecnológico. Por outro lado, quando as mulheres falam abertamente, de forma corajosa, ou alcançam posições de liderança, muitas vezes são apelidadas de ambiciosas, arrogantes ou “mandonas” pelos colegas. É importante encontrar um equilíbrio onde todos possam pedir, dar e receber feedback com empatia e verdadeiro espírito de equipa.
Mito#4 – “Os mais jovens são os que têm futuro na área tecnológica”
Nunca é tarde para se (re)começar o que quer que seja. Quantos profissionais possuem hoje profissões que não existiam quando escolheram o seu caminho no ensino superior? Quantos decidiram abraçar outros desafios e alterar por completo a sua carreira ao descobrir novas possibilidades potenciadas pela evolução tecnológica? Quantas mulheres optam por fazer uma pausa na sua carreira para se dedicarem à família e depois regressam, mais tarde e em força, ao mercado de trabalho para atuarem numa área completamente diferente? A verdade é que nem todos precisamos de começar a gostar de TI ainda na juventude e a fazer as primeiras experiências na garagem de casa dos nossos pais, como o Steve Jobs e o Steve Wosniack. A paixão pela tecnologia não é sempre como retratam os filmes. Ela pode surgir de variadíssimas formas… e a qualquer idade.
Mito#5 – “A maternidade prejudica o desempenho profissional das mulheres”
No meu mundo ideal, mãe e pai deveriam cuidar dos filhos e aproveitar a flexibilidade trazida pelas tendências de Work Life Balance e os novos modelos de trabalho híbrido/remoto para garantirem mais tempo de qualidade em família. Mas supondo que um dos progenitores tem maiores condicionantes laborais e outro mais disponibilidade, e esse outro dá-se o caso de ser a mulher, a pergunta que se coloca é: ser mãe em que medida prejudica o contributo profissional da mulher? Os valores, as qualidades e as competências aplicadas no processo de criação de um filho (ou de dois, como é o meu caso) são mais-valias para qualquer organização, independentemente da sua área de atividade – capacidade de resolver conflitos, storytelling, pensamento crítico, negociação, empatia, criatividade, resiliência, multitasking… Basta pensar que muitos destes “requisitos” aparecem nos anúncios de emprego que vemos diariamente. Ser mãe é uma das maiores provas de superação e high-performance que eu conheço e as organizações que ainda não entenderam isto estão a perder talento.
Promover a formação e a capacitação tecnológica das mulheres não pode dever-se a uma mera questão de preenchimento de quotas em estabelecimentos de ensino ou no mercado de trabalho. Trata-se de fomentar os diferentes interesses e vocações dos mais novos, independentemente do seu género, seja através de atividades e formações extracurriculares, visitas a museus, concursos de robótica ou clubes de informática. Com o apoio de professores, mentores e outros aliados conscientes de que é somando vários pontos de vista, diferentes talentos, experiências e perspetivas masculinas e femininas (e não excluindo com preconceitos infundados), que se gera valor, produtividade, criatividade, agilidade e inovação.
Derrubando, um a um, estes e outros mitos, tenho a certeza de que continuaremos a caminhar para esse futuro cada vez mais inclusivo em escolas, universidades e organizações. Esse futuro onde uma mulher poderá optar por uma qualquer carreira tecnológica sem ser uma exceção ou uma minoria nas estatísticas.
Artigo de Sónia Fernandes,
Software Developer e Genio Trainer na Quidgest, e finalista dos Portuguese Women in Tech Awards 2022
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