A Federação Nacional das Associações Juvenis (FNAJ) apresentou no âmbito do seu 25.º aniversário, 25 propostas da juventude para um mundo moderno e um país mais justo e igual na Assembleia da República (AR) para uma justiça intergeracional.
Numa altura de autárquicas e em que os jovens continuam a sofrer as represálias da pandemia, fomos conversar com o Tiago Manuel Rego, presidente da FNAJ e conhecer as 25 causas e propostas desta geração.
Emancipação, educação, coesão social e igualdade são alguns dos eixos orientadores que originaram os 25 objetivos da Juventude Portuguesa que a Federação Nacional das Associações Juvenis (FNAJ) apresentou, no âmbito do seu 25.º aniversário, na Assembleia da República. De que forma a FNAJ chegou a estes 25 objetivos?
Os 25 objetivos fazem uma analogia aos 25 anos da FNAJ, e partiram de uma seleção feita através da auscultação de jovens pertencentes a grupos locais e cimeiras, nos quais estamos inseridos e que envolvem jovens de todo o país. Esta auscultação permitiu-nos identificar as prioridades e as causas que os jovens entendem ser as necessidades e objetivos da sua geração.
Após reflexão, debate e uma discussão sobre quais seriam os cinco principais eixos orientadores, chegou-se à conclusão de que a Emancipação e Participação Jovem, deveria encabeçar estes cinco eixos. Atualmente, é uma dificuldade enorme para os jovens obterem uma autodeterminação, ou seja, terem um emprego digno e estável e emancipar-se, o que nos leva, ao direito à família, a um emprego estável e à habitação própria. Assim, estes últimos fazem parte dos primeiros objetivos que constituem o primeiro eixo orientador.
Ainda dentro deste eixo, a Participação Jovem constitui também uma prioridade para as gerações mais novas, pois identificámos que a sua representatividade em órgãos políticos é deficitária, uma vez que, o número de jovens que compõem os centros de decisão nacionais, exceptuando as associações de estudantes, ainda é reduzido e aquém do desejável.
De seguida nos eixos orientadores, segue-se a Educação e a Informação, que ganhou uma acrescida importância, nos tempos disruptivos que vivemos. Esta fase pandémica levou-nos a questionar o que deve ser o espaço de uma sala de aula orientada para o futuro e para os novos empregos, a qual não deve capacitar apenas para os currículos académicos, mas também para as soft skills e ainda para questões tão pertinentes como a Literacia Financeira, o saber relacionar-se com instituições financeiras e sociais como a Segurança Social ou instituições bancárias que são perfeitos desconhecidos para qualquer jovem destas novas gerações. Também os direitos laborais não foram esquecidos, pois são fundamentais para evitar que as próximas gerações vivam situações de precariedade laboral.
No terceiro pilar segue-se a Ecologia, Tecnologia e Inclusão associado à transição verde que estamos a viver, a qual os jovens pretendem que seja uma transição totalmente inclusiva, sem excluir alguém por motivos económicos, sociais, raciais ou quaisquer outros.
Por último, a Saúde, Cultura e Desporto centrados no acesso ao desporto e à cultura. No âmbito da saúde, o destaque dá-se à saúde mental que adquiriu um novo destaque em virtude da pandemia e à saúde dos afetos e das emoções, que em situações mal resolvidas poderá levar à violência no namoro. De um modo transversal, estes são os cinco eixos pelos quais se dividem os 25 objetivos.
É curioso que a designação dada à saúde sexual e dos afetos seja diferente da que estamos habituados a ouvir de um modo geral. Destacando também ao facto de este ter sido um dos objetivos a ser alcançado na perspetiva dos jovens, numa altura em que este tema está de algum modo banalizado na comunicação social, mas ainda não está excluído das relações amorosas.
A auscultação feita previamente junto dos jovens fez com que este objetivo, tivesse uma conotação diferente da que estamos habituados, de forma a ser mais condizente com a realidade vivida pelos jovens e que, por sua vez, reflete o seu pensamento sobre este tema.
Atualmente, com as redes sociais emergiu uma forma diferente de socializar, mas com isso surgiram inseguranças, falta de autoestima… e o facto de a aprovação entre os pares ser agora obtido através de comentários públicos ou likes só vem alimentar esta insegurança. O que provocou nas camadas mais jovens, uma diminuição da autoestima, e acima de tudo, uma perceção errada de si próprios e da forma como os outros os vêm, no fundo criam-se versões desfasadas da realidade. O ciberbullying e o discurso de ódio são realidades que afetam e perturbam, o normal crescimento e desenvolvimento dos mais jovens. Esta é uma tendência atual e é importante que seja contrariada para que os adultos de amanhã estejam estruturados emocional, psicológica e fisicamente e que estejam preparados para enfrentar o mundo real e estabelecer relações interpessoais saudáveis. Se à primeira vista as redes sociais podem parecer um submundo, está claramente à vista que trazem problemas e consequências reais à saúde mental e física desta população, e é preciso alertar para isso.
Com a pandemia, o mundo digital adquiriu uma nova expressão e importância nas relações e nos contactos sociais, tornou-se o palco principal onde acontecem estas interações…
Precisamente! Os jovens sentiram uma acrescida dificuldade em manter relacionamentos e relações devido à distância física que se impôs e o afeto ficou condicionado. Contrariou-se a tendência natural desta fase da vida, perturbaram-se as primeiras experiências amorosas e sexuais, o que irá deixar marcas nestas gerações. O que leva a uma outra questão, a importância da presença dos psicólogos nas escolas ou, pelo menos desmistificar a presença destes profissionais e esclarecer os mais jovens sobre onde podem encontrar esta ajuda. Muitos gostariam de a pedir, mas não sabem como fazê-lo, não lhes são explicados os passos que devem dar para conseguirem conversar com um psicólogo, não lhes é esclarecido que terão total sigilo e privacidade e, portanto, é seguro e confidencial recorrer a este apoio. Estes profissionais poderão estar ao alcance de quem precisa e poderão fazer a diferença na vida destes jovens, é preciso encaminhá-los e dar-lhes as ferramentas.
Quais os objetivos que quer destacar como mais importantes ou mais urgentes de serem alcançados?
A FNAJ quando partiu para estes 25 objetivos teve em consideração as agendas nacionais, europeias e internacionais, que nos vão dando pistas sobre as prioridades do mundo. Contudo, entendemos ser igualmente necessário, perceber o que é que os jovens portugueses, dentro das suas realidades, entendiam ser prioritário. Nesse sentido, a emancipação, tornou-se claramente uma das principais prioridades, até porque implica todo um projeto de vida das gerações mais novas. Agregada a todos os objetivos está a participação dos jovens, que se torna um meio para atingir todos estes objetivos. Se queremos que as necessidades e prioridades destas gerações sejam consideradas e ganhem expressão na sociedade, precisamos que os jovens tenham uma participação cívica e política ativa, com uma voz cada vez mais audível e expressiva. Como tudo está interligado, a propósito deste último tópico, surgiu o tema da Literacia Política, como uma lacuna na educação dos jovens que deve ser colmatada. Somos uma geração de causas e pouco de ideologias, os jovens associam-se a causas ambientais, direitos humanos, igualdade, entre outros, mas posteriormente têm dificuldade em distinguir o que é um partido de esquerda ou de direita. A culpa não é deles, é de quem não os esclarece e os educa neste sentido. Esta é uma necessidade que, uma vez extinta, refletir-se-á no cumprimento prático destes 25 objetivos da Juventude Portuguesa.
Não posso deixar de mencionar, dentro do eixo da Educação, e em paralelo com a escola do futuro, a necessidade de procurar por uma informação verdadeira. Vivemos uma era em que a informação está à distância de um clique, mais acessível do que nunca, contudo, a desinformação encontra-se igualmente acessível. É necessário que os jovens consigam distinguir uma informação verdadeira de uma mentira. Neste sentido, uma proposta que os jovens fizeram foi ter acesso a um meio de comunicação, como os jornais e as revistas, que são os considerados como transmissores de uma informação verdadeira atualmente, gratuitos para estas camadas mais jovens. Deste modo, incentiva-se a um pensamento crítico, através do conhecimento de vários temas da atualidade, mas apenas baseado em informações verdadeiras.
A transição digital e a transição verde têm também um papel de destaque. Procuramos ter uma ação ambientalista e progressista nesta matéria, somos uma geração digital, mas preocupam-nos alguns avanços, e chamo à atenção para o objetivo intitulado por: “Combate à obsolescência programada”, este “palavrão” surgiu de uma associação da Ilha da Madeira, que se debateu até ao fim, para tornar este num dos 25 objetivos. Parece complexo, mas é o que acontece, por exemplo, aos nossos telemóveis quando perdem a sua utilidade de forma abrupta e propositada num curto espaço de tempo, o que nos leva a um consumo desmedido e desnecessário de novos equipamentos. Para uma geração que convive com esses equipamentos, como se fossem um prolongamento deles mesmos, colocá-los com um tempo de vida tão curto, fomenta uma procura e um consumismo extremamente elevado e incomportável para o ambiente e para a economia das famílias. Normalmente, este tema passa despercebido dos debates políticos ambientais, e por isso merece o meu destaque.
O momento tão singular que atravessamos dá aos jovens mais incertezas, mas também, mais argumentos para se envolverem na luta e na defesa do seu futuro e pelo seu país. É preciso consciencializá-los desta realidade e da importância do seu papel para a sociedade?
Estamos perante um cenário totalmente disruptivo, devido à pandemia, o que fez com que muitos de nós, alterassem as suas prioridades, por ventura, o que era um espírito critico aguçado, pode estar agora comprometido por outras preocupações igualmente legitimas, como a saúde, o emprego, a independência, os estudos… Pessoalmente posso achar que a reivindicação dos seus direitos, ao longo deste ano e meio, pode ter ficado afetada, e é por isso que a FNAJ ao lançar estes objetivos pretende demonstrar que os jovens continuam com agendas, com causas, com ideias para um país para os jovens e para todos. Esta foi a principal mensagem que pretendemos transmitir aos nossos agentes políticos. Esta é uma geração que regressa demasiadas vezes à casa de partida, devido às sucessivas crises pelas quais tem vindo a passar, contudo tem uma visão direcionada para o mundo e para a Europa. É importante que os jovens tenham igualmente a noção da necessidade que temos em ser representados nos órgãos de decisão por jovens, é preciso estabelecer um diálogo aberto entre a política e os jovens, até porque muitas das leis que estão a ser aprovadas, nomeadamente no que diz respeito ao ambiente, não terão um impacto em quem as está a decidir devido à sua idade, por isso é fundamental envolver quem irá sofrer ou beneficiar com as medidas que estão a ser discutidas.
No mundo digital e particularmente nas redes sociais vemos muito ativo o espírito critico dos mais jovens. Mas, esse espírito critico, não se traduz numa participação política ativa. Esse fenómeno poderá justificar-se com a debilidade de Literacia Política nestas gerações?
Totalmente e é um facto que se comprova através destes objetivos. Foi o que mais ouvi em todos os fóruns onde estive, e por isso, quando tenho oportunidade de estar junto de decisores políticos aproveito para transmitir a ideia de que a minha geração e outras que sucedem, são gerações de causas e pouco de ideologias devido à carência de Literacia Política. As escolas têm espaço para ensinar estes temas, por exemplo, na disciplina de educação para a cidadania. Quando os jovens querem participar e mobilizar-se recorrem às redes sociais, vejamos as manifestações pelo clima, o movimento “Black Lives Matter”, as manifestações pelos direitos das mulheres, etc. Começam nas redes sociais, mas traduzem-se nas ruas. As redes sociais traduzem uma participação mais aguerrida, mas no fundo não são mais do que as tertúlias de café que existiam no tempo de Eça de Queiroz, e se nessa época se dizia muitas coisas erradas, também se diziam muitas acertadas, tal como podemos testemunhar hoje em dia no digital. Contudo, é preciso ter em conta o crescimento do discurso do ódio que assistimos online e a facilidade com que se propaga, e isso claramente não é aceitável, nem deve ser ignorado. É preciso combatê-lo, agir e não deixar que os jovens se deixem influenciar por ele. Para os jovens identificarem que “Combater o discurso do ódio e promover o pensamento crítico” é um objetivo, já demonstra que têm esta noção.
De que forma podem os jovens ter uma maior e mais expressiva participação política?
Podem começar pelos espaços de participação que existem, como Associações de Estudantes, Associações Juvenis, Associações Académicas, este é um primeiro passo e não está assim tão distante dos meios onde se encontram e se relacionam os jovens. As Associações Juvenis estão presentes nas comunidades, muitas são associações culturais, desportivas, recreativas, ambientais. As Associações Académicas estão presentes no ensino superior e são espaços de partilhas de ideias e de opiniões cívicas e políticas. Por isso, eu diria que começar por esses espaços que estão facilmente acessíveis a qualquer jovem é um bom começo. Posteriormente, avançar para órgãos locais como conselhos de juventude, orçamentos participativos, planos municipais para a Juventude e claro, não descurar os partidos políticos, não podemos voltar-lhes as costas, argumentando que não nos identificamos. Precisamos de ir para dentro dos partidos e tentar fazer alterações de acordo com a nossa visão, procurar resolver o que não corre tão bem. É nessa medida que os espaços de participação jovem existem e é preciso fomentá-los e participar ativamente nestes locais. Acima de tudo é preciso apresentá-los aos jovens para que estes os conheçam e possam intervir e que sintam que possam fazer parte. Ser um agente político ativo é dar opiniões, argumentar, procurar soluções e tudo isto é possível, precisamente em Associações Académicas ou Juvenis. São todos estes esforços que somados fazem diferença num todo, no nosso país.
Qual apelo urgente a fazer aos jovens para que exista um empenho ativo dos mesmos na construção do seu futuro e para um país mais justo e com menos desigualdades?
Não tenham receio de partilhar as suas ideias, não tenham a perceção de que aquilo que poderão dizer é menor do que aquilo que outros, que estão presentes há mais tempo dizem. Pelo contrário, os jovens trazem frescura, visão e um poder inovador que será útil para as políticas e para a construção da nossa sociedade. É preciso sermos disruptivos nas nossas ideias, não querer ser igual a alguém, é preciso não ter medo de mostrar a nossa identidade, aquilo que defendemos e apoiamos. Pertencemos a uma geração mais inclusiva, mais plural, que defende a igualdade social, igualdade de géneros, igualdade de oportunidades, e é com estas visões que a nossa sociedade irá ficar progressivamente melhor. Ainda que as nossas visões sejam muito diferentes das que encontramos atualmente na nossa sociedade e não nos revejamos em certas estruturas e medidas, há sempre alguém que com um espírito mais irreverente, abrace e acolha as nossas ideias e comece a construir aquilo que será o nosso projeto de vida, o que nos faz e fará cidadãos felizes e concretizados dentro da sociedade em que estamos inseridos.