Em várias entrevistas falas muito da interpretação do ouvinte. Dizes que fica sempre à interpretação de quem ouve, não tem de ser espelho daquilo que sentiste e/ou pensaste ao fazer a canção. Tens isso em mente quando constróis um tema?
É um misto. Eu gosto da ideia do ouvinte utilizar a sua imaginação para enriquecer aquilo que eu estou a fazer. Muitas vezes, quando ouço canções, gosto de tirar as minhas próprias ilações. Acontece quase ser sempre como um filtro que depois vai refletir aquilo que são as tuas próprias experiências, aquilo que tu viveste na tua vida. Há canções que ouvia de uma maneira quando tinha 15 anos, e que aos 25 ouvia de outra, acaba por ser um pouco a mesma magia que eu quero passar às pessoas. É criar uma espécie de prenda que continua a brindar a pessoa ao longo do tempo. É essa a magia que eu tento criar, mas, por outro lado, parte sempre de ideias que são pensamentos meus. Tudo o que eu estou a fazer é passar-te a minha perspetiva, mas tu se calhar tens uma perspetiva diferente, e não é por eu estar a pôr a minha numa canção, que a minha é mais válida que a tua. Se calhar é importante tu perceberes o que é que eu estou a dizer para jogares com aquilo que tu tens na tua cabeça, e saíres mais rico dessa experiência. É por isso que gosto muito que o ouvinte também intérprete da sua maneira e não fique preso às ideias que o autor lhe quer passar, porque acho que a riqueza está muito mais na imaginação de quem ouve do que quem faz.
Na pandemia lançaste dois singles. Sem concertos, em confinamento. No In dizes “A dança é cá dentro. (…) Sem visitantes, só janelas, paredes (…)”. São espelho daquilo que estamos a viver?
A canção foi feita em dois períodos de tempo, antes e durante a pandemia. É interessante que a canção para mim e muito mais uma ideia de introspeção e de tu estares resolvido contigo próprio, do que propriamente sobre a pandemia. Só que calha muito bem com o tempo em que nós estamos a viver. E então, é o que digo, é a magia daquilo que falámos da interpretação, e é óbvio que ao ouvirem, a viver os dias de hoje, acabas por interpretar dessa maneira, mas se não houvesse pandemia, se calhar ias interpretar de uma maneira diferente. O que eu fiz foi: esta canção foi criada das minhas próprias introspecções, das minhas reflexões e da conclusão a que eu cheguei de que as respostas de muitas das perguntas que eu tenho estão cá dentro, sou eu que as tenho de encontrar cá dentro. Sou eu a falar comigo mesmo e a dizer que no final do dia a resposta está cá dentro, a dança está cá dentro, tem muito significado. E o cá dentro é um conjunto de coisas: pode ser eu cá dentro, cá em casa, como pode ser cá dentro do país, entre outros. A beleza daquilo que eu tento fazer é exatamente a quantidade de interpretações que tu podes ter.
00 Fala Bonito é o teu mais recente trabalho. O que podes contar sobre esta canção?
A ideia na construção deste single foi criar uma espécie de casa para as pessoas que muitas das vezes se deixam enganar pelo palavreado, pelas pessoas que têm muita lábia. Conforme o meu crescimento pessoal e artístico, já tive a oportunidade de me cruzar com muitas pessoas que, só de falar, conseguem convencer-e de tudo. Tive de aprender a controlar e a filtrar as minhas expectativas em relação às outras pessoas, não criar demasiadas. Esta é uma das ideias centrais deste tema, de que quando começamos uma relação com alguém, ou quando iniciamos uma conexão, é importante controlarmos as nossas expectativas em relação a essas pessoas, porque só com o tempo é que vamos perceber realmente o que é que essas pessoas são. Vivemos num mundo de primeiras impressões, de informação muito rápida e instantânea, onde tu vais às redes sociais da pessoa, e vais querer julgar pelo que tu estás a ver, para o bem e para o mal. É válido para os dois lados, e isso pode não corresponder à realidade, então aquilo o que eu quis fazer foi este exercício de quando tu estás a conhecer alguém. Não te deixes enganar só pelo que a pessoa diz, e de realmente perceberes as atitudes dela com o passar do tempo. Foi feita base nas minhas próprias experiências, porque quando tu te começas a tornar mediático, começas a atrair pessoas que acham que se conseguem aproveitar. Tenho verificado algumas vezes, ao longo do meu caminho, e normalmente as minhas canções são sempre um reflexo daquilo que eu vou aprendendo. Foi uma lição que eu aprendi, e estou a transmitir também às pessoas que estão comigo nesta viagem.