O cenário pandémico em que vivemos deixou de ser um mal dos hospitais e só uma ameaça direta à vida das pessoas: a covid-19 anuncia-se como o motivo da próxima crise económica e uma crise económica também mata, pessoas e setores da sociedade.
Infelizmente, para todos os que vivenciaram a crise despoletada em 2008, sabem bem as dificuldades que as famílias e as empresas atravessaram, pelo que num curto espaço de tempo voltar a experienciar dificuldades semelhantes e outras imprevisíveis, é algo que nos preocupa e inquieta.
Umas das crises dentro da crise de 2008 foi o flagelo do abandono escolar precoce entre os 18-24 anos. Em 2009 a taxa era de 30,9% em Portugal, mais do dobro da EU (14,2%). Na altura acudiu-se a que o problema fosse resolvido e desde então foram tidos esforços para que o caminho fosse o da diminuição. Isso aconteceu. Em 2018 a taxa estava nos 11,80%, um decréscimo de 19,10% que reflete os esforços de quem governou neste intervalo de 9 anos mas que, ainda assim, colocava Portugal acima da média da EU (10,50%).
É óbvio que uma das consequências da crise económica foi forçar os estudantes a abandonar o ensino. Fomos apanhados uma vez pela crise, vamos ser outra? Neste cenário, prefiro que a expressão “à terceira é de vez” esteja errada e que acertemos logo à segunda. Sendo muito claro: evitar que a taxa de abandono escolar aumente tem que ser uma espécie de voz irritante e constante que vive dentro da cabeça de quem governa e de quem dirige as instituições do Ensino Superior.
Ainda no intervalo 2009-2018 podemos ver que o número de estudantes inscritos no Ensino Superior praticamente não se alterou (373002 e 372753, respetivamente, variação de -0,06%), sendo que pelo meio temos dois anos de subida, seguidos de 4 anos de descida e mais 3 anos de subida. Isto, a par da diminuição da taxa de abandono escolar, quer dizer que conseguimos reter os estudantes que foram ingressando no ensino superior mas que ainda não conseguimos recuperar os que se perderam com as elevadas taxas de abandono escolar no início da década. Apesar de o crescimento do número de estudantes se estar a verificar, também aqui Portugal fica abaixo da média da EU.
Por último, verifica-se que o número de estudantes bolseiros teve uma variação positiva de 1,40% quando comparamos 2009 com 2018. Nos anos compreendidos neste intervalo verifica-se algo interessante: de 2011 para 2012 verificou-se a primeira quebra no número de estudantes e observou-se ainda uma quebra significativa na percentagem de estudantes bolseiros, o que nos pode levar a inferir que quem continuou a estudar foi quem não precisava de bolsa. Ainda assim, nos anos que se seguiram, mesmo quando se verificou um decréscimo do número de estudantes, a percentagem de estudantes bolseiros aumentou (esta relação pode ser explicada pelo alargamento progressivo dos critérios de elegibilidade para a bolsa de estudo), acompanhando a diminuição da taxa de abandono escolar. Podemos concluir que, mesmo que a ação social não tenha servido para impulsionar um aumento do número de estudantes neste intervalo de tempo (compreensivelmente, uma vez que o rendimento disponível para as famílias esteve sempre abaixo do valor de 2009, excetuando 2010, 2017 e, naturalmente, 2018) serviu para evitar que quem já estudava abandonasse os estudos.
Em 2020 as famílias estão já a enfrentar outra crise económica. Não há dúvidas disso. A ação social mostrou ser nos últimos anos um mecanismo importantíssimo para a diminuição da taxa de abandono escolar (não foi o único: reconheço o papel da aproximação às escolas secundárias como sendo mais um exemplo). Também não há dúvidas. Portugal tem conseguido uma aproximação com a Europa em matérias de número de diplomados no Ensino Superior, mas ainda continua abaixo da média. Também continua a não haver dúvidas sobre isto. A minha dúvida é: estará o governo disposto a investir, e rapidamente, num reforço e numa readaptação do sistema de ação social já para o próximo ano letivo para assegurar o alargamento de beneficiários de ação social e evitar que a tendência de diminuição de taxa de abandono escolar de inverta e termos que voltar a fazer tudo de novo?
A fórmula já existe e está comprovado que funciona, espero que haja vontade de a querer aplicar. Na FAP estaremos atentos e vigilantes. Seremos uma voz ativa, interventiva e reivindicativa no sentido de assegurar que assim seja. Se 2020 for um reflexo de 2008 vamos estar sempre quase a convergir com a Europa. Sempre quase lá mas nunca lá.
Fontes: OCDE, CNE e Pordata
Texto escrito por Marcos Alves Teixeira, Presidente da Federação Académica do Porto