Depois dos vídeos, dos espetáculos de stand-up comedy e da rubrica de rádio, o António Raminhos lançou o livro que fala, não tanto das suas filhas, mas do que se deve fazer quando se tem filhos. É também um bom manual para impedir que os jovens os cheguem a ter. O livro, a carreira e o futuro do maior (literalmente) humorista português em entrevista à Mais Superior.
És ator, humorista, parvo e o maior especialista português em fazer dinheiro com os próprios filhos. É uma boa apresentação de quem tu és?
É, com exceção da Dolores Aveiro, que é de facto a que tira melhor rendimento do filho. Mas lá está, como não tive rapazes não consegui pô-los a render no futebol, por isso tive de arranjar forma de o fazer de outra maneira. Até porque os filhos dão muita despesa, e há um estudo da Universidade de Coimbra que diz que na classe baixa, um filho com até 25 anos gasta uma média de 260 euros por mês, e na classe média/alta, esse valor sobre para os 600 euros. Tinha de resolver isto.
E a Maria Leonor, quando é que entra nesse processo?
Já fiz alguns vídeos com ela, até porque as mais velhas já não se deixam apanhar, já não deixam que eu as filme. Eu sei que isto vai passar e que alguém, quando elas forem mais velhas, as vai convencer a voltar a fazer vídeos, mas esses eu não quero ver.
As tuas filhas são o teu maior projeto de vida e também o teu melhor projeto humorístico?
Não. Isto foi uma conjugação de fatores, até porque antes dos vídeos eu já fazia parvoíces com as miúdas para consumo interno, lá em casa. Para mostrar à minha mulher e para a deixar triste também. O que fiz depois foi juntar o útil ao agradável: Publiquei um desses vídeos, obtive logo um impacto muito grande, e comecei a pensar num conjunto de situações que podia criar e que são transversais a todos os pais.
Depois dos vídeos veio o espetáculo de stand-up – que já terminei – onde dava uma espécie de palestra motivacional, e finalmente acabou por surgir o livro, que apesar de ter o mesmo nome nada tem a ver com o resto, porque é uma reunião de perguntas que os pais me enviam sobre os filhos, e que os filhos me enviam sobre os pais, que eu procuro esclarecer da forma mais idiota possível.
Portanto, tu és ator, humorista, começaste por ser jornalista e agora também és psicólogo.
Eu fui muita bom a psicologia, tive 19. Estive quase para seguir essa área, mas depois ganhei juízo e acabei por ir para jornalismo, o que também não é muito melhor. Mas depois do jornalismo para a comédia é um saltinho, e foi o que eu fiz. Mas é como eu costumo dizer: não me considero ator porque é uma ofensa a todas as pessoas que estudam teatro, sou humorista porque gosto de fazer umas graçolas mas no fundo estou a ser eu e não faço nada de muito diferente. Quem me conhece sabe que eu sou assim no dia a dia.
Chamei-te parvo porque numa bela entrevista que deste à Dica da Semana disseste que és mais parvo que humorista. Qual é a diferença entre os dois?
No meu caso é exatamente a mesma coisa. Quando comecei a fazer comédia trabalhava num jornal chamado A Capital, que entretanto acabou. Eu fui para o desemprego, comecei a dar no álcool e a conhecer a comédia, da qual já gostava muito na ótica do utilizador, mas que aí comecei a aprofundar. E percebi que, quanto mais uma pessoa for genuína, melhor os outros vão receber o que ela tem para dizer. É por isso que sou igual na minha profissão àquilo que sou com os meus amigos.
E qual é a relação das tuas filhas com o trabalho que fazes sobre elas?
Elas não gostam que eu as filme, por isso ficam sem saber que eu o estou a fazer. Também faço isso com a mãe delas, mas esses eu não posso mostrar. Normalmente apanho-as distraídas ou numa situação qualquer que eu vivo em casa e que percebo que posso voltar a provocar. Mas se elas souberem que a câmara está a filmar começam já a pedir cachet. Curiosamente, a Maria Rita já está a entrar na fase de produção de conteúdos e já prepara coisas comigo para as irmãs e para a mãe.
Mas de uma maneira geral elas encaram bem a cena, e eu gosto da atitude delas quando as pessoas as abordam na rua, que é do tipo mas eu não conheço este gajo de lado nenhum, porque é que está a falar comigo?
Costumas visualizar as tuas filhas daqui a uns anos, a ver os vídeos? Que tipo de momento familiar achas que vai ser?
No fundo eu estou a fazer uma espécie de arquivo para elas, para que daqui a uns anos possam ver como foi a infância, e talvez atirar-me isso à cara e enfiar-me num lar muita manhoso. Daqui a uns anos, quando elas já forem adolescentes e tiverem consciência das coisas, eu gostava de fazer uma sitcom da nossa vida. Algo em que fossem elas a abusar de mim, para variar um bocadinho.
O teu livro As Marias, para além de se ler, também se vê… Tudo com a ajuda de uma app, é isso?
Sim, é um livro com muitas componentes. Tem histórias engraçadas, tem um prefácio da Cobie Smulders (a Robin de How I Met Your Mother), tem ilustrações do Manel Cruz e uma fotografia de capa que resume basicamente o que é a minha vida com as miúdas. E para essas ilustrações há uma app chamada As Marias – ao fazermos scan a cada uma delas, temos acesso a um vídeo onde falo um pouco mais sobre esse tema. Isto é bom porque para quem não gosta de letras, tem desenhos e tem vídeos, que ainda por cima são inéditos.
Com tanta coisa que fazes – espetáculos, participações em programas de televisão, uma rubrica de rádio, entre muitas outras – como é que fazes para estar em casa a gravar?
Eu divido muito o meu tempo entre estar em casa e estar a trabalhar, não vou a festas nem eventos da socialite. Geralmente vou buscar as miúdas à escola e costumo estar com elas, tirando às vezes aos fins de semana quando tenho espetáculos. Os vídeos acabam por ser uma consequência do tempo que passo com as minhas filhas.
És seguramente um dos humoristas mais mediáticos do país. És o oposto da figura do comediante polémico e corrosivo? Toda a gente gosta de ti?
Eu gostava que toda a gente gostasse de mim, e que toda a gente me abraçasse na rua. Mas com o tempo tenho vindo a perceber que isso é impossível, e que até à minha mulher lhe custa gostar de mim, de vez em quando.
Contudo, e respondendo-te, quem já viu os meus espetáculos ao vivo sabe que tenho muito material corrosivo; o que tenho também é a vantagem de as pessoas que me vão ver saberem que eu estou a ser genuíno e que só estou a ser parvo e que não quero magoar ninguém.
De resto, talvez seja mais mediático porque não deixo de fazer o que quero no dia a dia e não crio um distanciamento entre mim e as pessoas.
De certa forma, este livro marca o fecho do projeto d’As Marias? Vais começar a fazer coisas diferentes?
Sim, vou fazer rapazes. Agora vão ser Os Manéis.
Agora a sério, o livro chama-se As Marias mais pela marca que isso se tornou, porque lá dentro é bastante diferente dos vídeos. O meu próximo espetáculo, por exemplo, vai chamar-se O Melhor do Pior e vai falar sobre o meu último ano de vida e sobre o que é isto de fazer comédia.
Estou também a fazer A Banheira das Vaidades, que não tem nada a ver com as minhas filhas e espero que nunca venha a ter.
[Entrevista: Tiago Belim]
[Fotos: Sara does PR]