É um verdadeiro lema de vida do homem que o país se habituou a gozar, mas que segue, imperturbável, o seu caminho. Com mais um livro acabado de chegar aos escaparates, Ama-te Nível 2, Gustavo Santos volta a falar da necessidade de transformar a dor em amor, com um objetivo final: Ser feliz. Fomos conhecer melhor a obra, e o homem por detrás dela.
O Gustavo Santos ainda se apresenta como um lifecoach? O que fazes exatamente, e como é que o explicas a quem é cético relativamente a ti?
Há muitos anos atrás, na segunda temporada em que estive desempregado, trabalhava como ator e já escrevia, e surgiu a oportunidade de fazer uma formação intensiva em coaching. Eu já escrevia sobre isso, e achei que seria importante adquirir ferramentas que até à data não tinha. A formação foi muito útil numa fase inicial, ajudando a tornar os meus livros em algo mais completo. Aí era claramente um lifecoach, ministrava sessões individuais e fazia palestras que tocavam essa temática.
Contudo, de há uns anos para cá, toda a gente quer ser coach, e por isso eu deixei de querer. Porque as pessoas são coaches by the book, e eu nunca fui um gajo by the book, nem gostei de seguir o protocolo. O meu protocolo é ser um homem feliz e autêntico, e assumir a minha verdade. Digo aquilo que penso e que sinto, faço aquilo que quero, e esta é a minha vida. Não tenho propriamente um título para me apresentar, mas rapidamente digo que sou um homem livre, independente e, sobretudo, um homem intimamente ligado à minha missão: Ser feliz.
E é aí que enquadras os teus livros, e mais concretamente o Ama-te? Porque é que os escreves?
Sim. O Ama-te Nível 2 vem no seguimento do Ama-te, e é uma fase de transição que vai terminar, seguramente, no Ama-te Nível 3. Aí serão 360 textos, 360 graus, cada frase é como se fosse um grau na tua autodescoberta. O primeiro destes livros é claramente um murro em cima da mesa, é o despertar do guerreiro, e para mim o guerreiro é o homem que escolhe viver não através da guerra e das armas, mas através da guerra do amor. O amor é uma guerra, e se tiveres dúvidas basta assumires quem és durante um dia, e fazeres apenas o que te apetece, para veres as guerras que vais comprar. Porque as pessoas estão habituadas a viver na mão dos outros, e é por isso que a nossa sociedade nos formata. Nós nascemos para amar mas somos formatados para sofrer. Nascemos a ser o centro da nossa vida, para depois passarem a ser os outros o centro da nossa vida, e nesse momento perdemos a liberdade, a independência, o amor por nós.
O Ama-te Nível 2 é diferente, é uma afinação e um amadurecimento do guerreiro. E como já te amas e respeitas, aqui eu peço-te que saias de dentro de ti e que entres no ciclo da vida, que tem momentos de dor, e da dor tens de fazer amor. Transforma o que te dói em lição e em aprendizagem, e faz essa transformação dentro de ti.
“Não tenho dúvidas que, neste país, sou a voz mais ativa do amor próprio.”
E para quem são os teus livros? Para quem precisa de ajuda? De se autodescobrir?
São para pessoas que querem mudar. Mudar a dor em amor. É muito interessante percebermos que habitamos não no planeta Terra, mas sim no planeta Medo. E cabe a cada um de nós transformar esse medo em amor. E os meus livros são para as pessoas que querem fazer isso mesmo.
E para além de ler os teus livros, que mais devem essas pessoas fazer para mudar?
Os livros só têm uma magia, que é a energia do autor colocada nas palavras. E nos meus livros encontram autenticidade. Mas os livros, por si só, não mudam a vida de ninguém. O que consegue mudar é o significado que as pessoas possam dar a essas palavras, e se ali encontrar uma luz para si. Não sou eu que mudo a pessoa, mas sim o sentido que ela possa dar aos meus textos. E toda a mudança começa com a necessidade mais básica do ser humano: a sua vontade. A grande maioria dos seres humanos ignora-a porque, como vivemos no planeta Medo, aceder à sua vontade pode pressupor magoar alguém ou levar a que sejam rejeitados pelos outros. Assim, a vontade não se dá, a confiança não aparece, o amor não brilha e tu não andas aqui a fazer nada.
Por isso, respondo-te com uma pergunta. Quando saíres daqui, o que é que queres fazer? O problema é que a maior parte das pessoas não faz a mínima ideia, porque está tão afastada das suas vontades e de si própria, que não faz a mínima ideia do que lhe apetece fazer. A maior parte das pessoas abdicou de ser quem é, para ser aquilo que os outros querem que ela seja.
Houve uma dada altura na tua vida em que assumiste uma mudança, e foi essa mudança que te permitiu gostar de quem tu és hoje. Como é que isso aconteceu?
É fundamental conhecer o fundo do poço, e eu já lá estive várias vezes. Ao contrário do que se possa pensar, eu nunca tive uma vida facilitada, nem nunca ninguém me deu nada. Tive uma infância extraordinariamente difícil, que não desejo a ninguém: Violência, ameaças, sentimentos de culpa, de vingança e de ciúmes que me colocaram às costas, e eu cresci a ser dado como culpado de tudo o que acontecia de mal naquela casa, até da separação dos meus pais, quando eu tinha apenas 2 meses de idade. E crescer com culpa é o pior dos sentimentos, porque nos tira a esperança. Não tinha confiança em mim, tinha medo de errar, não tive uma referência masculina que me ensinasse como devia agir, e estive realmente no fundo do poço, onde as coisas são feias, porque não consegues encontrar nada a que te possas agarrar.
A minha primeira âncora foi a dança, pelo que me permitiu conhecer a meu respeito. Foi a primeira sensação que tive de ser bom em alguma coisa, que afinal não era aquele “merdas” todo. E com isso subi até ao céu, o que também não me trouxe apenas coisas boas, porque aí entras numa fase de deslumbramento – no fundo, saí de algo que não era real (eu não era assim tão mau) para algo que também não era real, porque também não era assim tão bom.
Essa foi uma fase muito importante para mim, pela qual precisava de passar para chegar até aqui. Por isso é que hoje estou preparado para responder a qualquer desafio, porque já estive nos dois extremos. Eu sou aquilo que mostro, e não tenho dúvidas que, neste país, sou a voz mais ativa do amor próprio. Para isso, é preciso ter muita coragem, e nós não estamos propriamente num país de corajosos.
E da dança até ao que conhecemos de ti hoje, o que aconteceu?
Tive uma primeira chamada de atenção da vida, sob a forma de lesões graves nos ombros, que me impediram de continuar a dançar. Fiquei revoltadíssimo porque aquela foi a minha primeira paixão, e abdiquei do curso superior que estava a tirar (estava no 5º ano de Educação Física e Desporto na Universidade Lusófona) para ser bailarino profissional. Era ali que eu alimentava o meu ego, numa altura em que ainda não tinha encontrado o amor próprio, e tirares-me a dança era tirares-me a minha autoestima e o meu chão. Foi uma fase extremamente delicada, até me colocar uma questão a mim próprio: Se não posso fazer o que amo, o que é que eu gostava de fazer agora? Ator, representar. Quando comecei não percebia nada daquilo, mas mesmo assim deram-me emprego e as coisas foram acontecendo. Fiz várias séries, telenovelas e peças de teatro, só que neste processo estive desempregado por duas vezes, altura em que pude pensar: Mas é isto que quero fazer para sempre? Ficar à espera que me liguem para me sentir útil? Não pode ser, tenho de criar a minha profissão. E foi neste período que tirei a minha formação em coaching, e foi no seguimento disso que comecei a escrever desalmadamente e dar conferências pelo país inteiro.
E como é que passas de dançar e de representar para tentar ajudar os outros?
O meu foco nunca são os outros, sou eu. O coaching é, simplesmente, mais uma das coisas que gosto de fazer e que me fazem sentir realizado. O foco nunca foi ajudar os outros porque sei que não tenho controlo sobre isso. Eu posso estar aqui duas horas a falar contigo e a dar-te conselhos, e no momento seguinte tu podes sair pela porta e continuar a fazer o que sempre fizeste. Se eu quero ajudar-te e não consigo, achas que vou dormir bem? Se em vez disso estiver aqui duas horas a falar contigo porque gosto de o fazer, e se quando te fores embora continuares a fazer o mesmo de sempre, eu vou estar-me nas tintas porque fiz o que queria. É este o verdadeiro amor incondicional, quando eu faço as coisas por mim. E é por isso que eu sou a pessoa que eu conheço que mais ajuda os outros, porque não quero nada de ti. Tu já me estás a dar tudo por estares comigo.
É fácil para ti lidar com o facto de seres motivo de gozo de muitas pessoas neste país? É de toda a tua história que vem a força para enfrentar isso?
Com aquilo que eu passei na minha infância e na minha adolescência, qualquer coisa que me possam fazer é brincadeira. A minha mãe foi a minha grande mestre, porque através da muita dor e do muito medo que eu vivi, ela preparou-me para ser um gajo muito forte. E é por isso que tenho hoje uma relação extraordinária com ela, porque transformei aquela dor em amor, o rancor em perdão. Quando os humoristas dizem isto ou aquilo, é brincadeira porque eu já conheço a dor, e nem que se juntem todos não conseguem chegar até mim. E uma coisa eu sei, enquanto eles passam o seu tempo a gozar comigo, eu passo o meu tempo a criar o meu caminho, e nós daqui a uns anos vamos ver onde é que eu estou e onde é que eles estão, porque as pessoas que vivem focadas no outro nunca vão a lado nenhum, e os que vivem focados no seu percurso, chegam onde querem.
Ama-te Nível 2
Autor: Gustavo Santos
Editora: A Esfera dos Livros
Nº de Páginas: 288
P.V.P.: 15 euros
[Entrevista: Tiago Belim]
[Fotos: A Esfera dos Livros]
Esta entrevista foi publicada na edição de dezembro de 2016 da revista Mais Superior, e tu podes consultá-la aqui.