Assinalou-se no dia 4 de dezembro o Dia Mundial da Esclerose Múltipla, uma doença do sistema nervoso que ataca, sobretudo, os jovens. Motivo mais que suficiente para falarmos com a SPEM – Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla e com dois jovens portadores da doença.
O que é?
Se nunca ouviste falar em Esclerose Múltipla (EM), provavelmente não saberás que é uma doença que afeta particularmente os jovens. É uma doença crónica, inflamatória e degenerativa, que afeta o sistema nervoso central, que engloba o cérebro, a espinal medula e os nervos óticos.
Não sendo fácil de explicar, a EM caracteriza-se por ser autoimune, e faz com que nosso sistema imunitário provoque, erradamente, um ataque a uma parte saudável do sistema nervoso central. Tanto a causa como a cura da EM são desconhecidas, e por isso é mais importante do que nunca conheceres os seus sintomas.
Eles são, quase sempre, muito variáveis. Como a EM é uma doença relacionada com o sistema nervoso central, as suas consequências podem afetar qualquer parte ou função do corpo humano.
A maioria dos casos desta doença está associada ao aparecimento de “surtos”, que consistem num surgimento ou agravamento dos sintomas associados a esta doença. Geralmente, é a partir destes momentos que o diagnóstico é feito, já que o paciente recorre ao seu médico por causa deste episódio.
O diagnóstico na EM pode ser desafiante: numa fase inicial, os sintomas aparecem e desaparecem e, por esse motivo, podem ser ignorados. Situações como a falta de visão (associada, muitas vezes, a “demasiadas horas ao computador”), a falta de energia ou cansaço (vistos, por vezes, como consequência de sedentarismo ou depressão) ou o aparecimento de dores (relacionadas frequentemente com a prática de desporto) podem ser os primeiros sinais de que poderás ter Esclerose Múltipla.
É uma doença de jovens!
Ao contrário do que muitas vezes se pensa, esta não é nem uma doença “dos ossos” nem uma doença “de velhos”. O diagnóstico surge, frequentemente, entre os 20 e os 35 anos de idade. Por este motivo, a Esclerose Múltipla é a segunda maior causa de incapacidade nos jovens adultos, apenas ultrapassada pelos acidentes com veículos motorizados.
Embora ocorram em todo o mundo, ainda não é claro quantos são os casos de EM em crianças (EM pediátrica). Contudo, 10% das pessoas com esta doença manifestam ter experienciado os primeiros sintomas antes dos 16 anos de idade.
Um diagnóstico de EM numa idade precoce e numa altura em que se tem todo um futuro recheado de sonhos pela frente pode ser devastador. Mas… não é o fim do mundo! Hoje em dia, esta é uma doença que, com um diagnóstico precoce, pode ser controlada desde muito cedo para que as suas consequências sejam minimizadas.
A SPEM
A fase seguinte ao diagnóstico é a mais complicada de gerir, pelas imensas dúvidas que a Esclerose Múltipla provoca, e é sempre importante para quem recebeu o diagnóstico há pouco tempo recorrer a instituições ou grupos de apoio que possam transmitir uma perspetiva de experiência própria e bem documentada.
Uma delas é a SPEM – Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla. Esta entidade trabalha com o objetivo de acolher cada vez mais associados, utentes jovens e jovens adultos, formando grupos de apoio, promovendo estilos de vida saudáveis e acompanhando as possíveis dificuldades de adaptação a uma vida com mas não determinada pela doença, difundindo formas de lidar e gerir a EM.
Este núcleo voluntário, de pessoas com ideias descomplexadas face às características da doença e ao que ela implica, é acessível a todos e pode ajudar quem mais precisa.
Factos que precisas de conhecer sobre a Esclerose Múltipla
– Em todo o mundo, estima-se que existam 2,5 milhões de pessoas com esta doença. Em Portugal, são cerca de 8 mil;
– Existe um maior número de casos de mulheres com EM do que homens (rácio de 3 para 1);
– Os sintomas mais comuns são: visão dupla, perda de equilíbrio, má coordenação e/ou dormências nos membros, fadiga extrema, perda urinária, problemas de memória e de concentração, entre outros;
– São quatro os tipos de EM: benigna, surto-remissão (a mais comum) e as formas mais graves primária e secundária progressivas;
– A EM não é fatal, nem contagiosa nem, tanto quanto se sabe, hereditária;
– Esta é uma doença potencialmente incapacitante. Embora, em alguns casos, exista um grau de incapacidade elevado, a evolução da doença é variável de caso para caso;
– Apesar de não existir uma cura para a EM, existem medicamentos que têm a função de “modificar” o curso da doença, ao reduzir o número de surtos e ao atrasar a progressão da incapacidade.
Dois jovens com Esclerose Múltipla
A Sara
A Sara tem 30 anos e vive atualmente em Madrid, onde é responsável pelo departamento jurídico em Portugal de um banco francês. Foi-lhe diagnosticada Esclerose Múltipla em maio deste ano, numa altura em que, no espaço de dois meses, teve dois surtos que se manifestaram sob a forma de dormências na zona da barriga e no estômago, seguidas de formigueiros e de falta de sensibilidade nas mãos.
A Sara consultou médicos de especialidades variadas, que lhe indicaram um neurologista, que após uma ressonância magnética, uma punção lombar e potenciais evocados confirmou o diagnóstico de Esclerose Múltipla.
“Nesse momento”, contou-nos a Sara, “evitei fazer pesquisas na internet sobre o tema, e limitei-me a tentar consultar os melhores especialistas para compreender melhor esta doença. Não foram semanas fáceis, e o apoio da família e dos amigos foi muito importante”.
A partir daí, a Sara começou a estar mais atenta aos sinais do seu corpo. “Comecei a perceber que uma picada no pé, uma súbita falta de energia, uma dor de ossos, era o meu corpo a pedir que fizesse uma pausa, que relaxasse ou descansasse uns minutos. Passei a ter mais vontade de viver, a relativizar os problemas, a rir-me mais e a arranjar mais tempo para fazer coisas que gosto e que sempre quis fazer, e a colocar na minha lista de prioridades a boa alimentação”.
Ter Esclerose Múltipla é ter uma doença crónica e degenerativa, e pensar que, de repente, podes ficar limitad@ na tua qualidade de vida é algo que, para a Sara, tem sido difícil de lidar. Como antídoto, procura pensar que “poderia ter sido uma doença pior”, e focar-se “nas coisas boas, tentando que a minha vida seja o mais aproximada possível à que tinha antes de me ser diagnosticada a doença”.
A todas as pessoas que possam vir a ter a infelicidade de contrair Esclerose Múltipla, a Sara aconselha a levarem “uma vida normal. Penso que é essencial ter uma boa alimentação, fazer algum exercício físico, descansar tudo o que necessitamos e apanhar sol”. E quando disseres mal da tua sorte, encara as circunstâncias “como uma segunda oportunidade, e um pretexto para viver com mais intensidade”.
O Alexandre
O Alexandre tem 31 anos é licenciado em Economia e está neste momento desempregado. Ao contrário da Sara, já convive com a Esclerose Múltipla há seis anos, altura em que teve uma neurite ótica como primeiro sintoma, isto é, uma nuvem branca no olho.
Este jovem contou-nos que o início foi “um choque”, mas que tentou “desvalorizar a doença e não alterar nada na sua vida. Deixei a Esclerose Múltipla escondida na sombra e continuei como se nada fosse”.
Na faculdade, a relação com os colegas também não mudou, embora tenha feito questão de partilhar o que se passava consigo. O que mudou, conforme nos contou o Alexandre, foi “a forma como acabava os dias de aulas: Fadiga extrema. Para além disso, em altura de exames, a carga de stress está em níveis mais altos do que o normal, e isso conjugado com o calor, levou a que tivesse surtos que me impossibilitaram de fazer vários exames”.
O Alexandre viveu dois momentos distintos relativamente à sua doença: A pré-aceitação e a pós-aceitação. No primeiro, procurou seguir a sua vida como se nada fosse, deitando tudo para trás das costas e renegando as responsabilidades que uma doença autoimune acarreta. Os efeitos disso, conforme partilhou connosco, foram “os 116 quilos de peso corporal três anos após o diagnóstico, e a fadiga extrema que tinha de encarar a cada verão”.
Até que, a dada altura, o Alexandre encara verdadeiramente a sua condição, e tem conhecimento de uma dinamarquesa que correu 366 maratonas em 365 dias. É esse, segundo o próprio “o ponto de viragem na minha vida, porque se ela conseguia correr 366 maratonas, não seria eu capaz de correr uma?” Deu a si mesmo um ano para enfrentar o desafio, num processo gradual e de muita dedicação. Em novembro de 2014, correu a sua primeira maratona com sucesso.
Hoje em dia, o Alexandre diz ter “uma vida completamente normal, onde a única diferença para alguém completamente saudável é ter de fazer um injetável todos os dias. A EM fez com que eu me preocupasse muito comigo; não foi instantâneo, mas desde que aceitei o facto que tenho feito coisas que apenas uma pequena percentagem da população mundial consegue”. Desde a sua primeira maratona, já correu mais cinco, e estreou-se este ano no triatlo. Diz o Alexandre que a Esclerose Múltipla lhe deu “o foco de que precisava para encarar a vida com um sorriso, e enfrentar desafios cada vez mais ambiciosos”. Neste momento está a treinar para terminar um Ironman, que consiste em nadar 3,8 quilómetros, pedalar 180 e correr 42.
Contacta a SPEM através do email spem@spem.pt, ou visitando o site oficial.
[Reportagem: Tiago Belim]