A indústria do gaming está a mudar, há mais plataformas e estilos por onde escolher, e com isso aumenta também o público. Entre ele estão, cada vez mais, as mulheres, que estão a provar que são capazes de jogar tão bem ou melhor que os homens. Se ainda pensas que jogar é coisa de rapazes, atualiza-te: O girl power chegou aos videojogos!
Videojogos: coisa de rapazes?
Se sairmos à rua e escolhermos aleatoriamente dez pessoas, para lhes perguntar a sua opinião sobre videojogos, é muito provável que boa parte delas inclua na resposta a ideia de que esta é uma brincadeira de rapazes. Já se fizermos o mesmo exercício relativamente à Associação Grow uP Gaming – uma das maiores neste setor em Portugal – a resposta vai ser bastante diferente: “Os videojogos nunca foram uma brincadeira de rapazes, simplesmente, durante muito tempo, toda a indústria era direcionada para rapazes, o que criou uma dissonância entre as raparigas e os jogos. A partir do momento que a indústria reconheceu este erro e abordou todos os gamers como gamers, o problema desvaneceu-se”, é a visão de João “Ildurnest” Sobral, jogador e membro da Grow uP.
A Maria Neves também é gamer, e não é uma gamer qualquer. Neste mundo é conhecida por Mizzie, joga e é streamer de Counter-Strike: Global Offensive (CSGO), um dos jogos mais populares de sempre. Para ela, o estereótipo de que os jogos são só para homens “está cada vez mais a desvanecer-se, e até já se encontram raparigas profissionais a jogar melhor que 70% dos homens, pelo menos no CSGO”. E atribui à evolução das tecnologias um papel importante nesta mudança: “Há cada vez mais pessoas, não só raparigas, a aderir e a gostar da satisfação que os videojogos proporcionam. E é como se diz, satisfação imediata cria vício.”
No caso desta jovem de 21 anos, o interesse pelos videojogos surgiu por influência do irmão, e a partir daí começou a jogar regularmente. O que a atrai nos videojogos é “a abstração do mundo real que proporcionam e as boas histórias que não só vemos, mas que também vivemos ao jogá-las”. E quanto aos jogos online, acha-os “uma ótima forma de passar o tempo, entreter e conviver com pessoas de uma forma que talvez fosse impossível pessoalmente”.
A Associação Grow uP Gaming não tem dúvidas de que existem cada vez mais mulheres a jogar, embora ainda seja difícil quantificar a evolução dos números. Na Grow uP existem equipas mistas e equipas exclusivamente do sexo feminino, e até competições dedicadas a equipas deste género, embora esse impacto “ainda não se tenha feito sentir ao nível das comunidades”, de acordo com João Sobral.
Segundo estes especialistas, a tendência é de que, com o tempo, o número de gamers femininas se aproxime cada vez mais do número de jogadores masculinos, sendo que há ainda um longo caminho a percorrer. E para esta associação, o caminho deveria passar também pela “igualdade total de géneros no gaming, isto é, todas as competições deveriam ser mistas, aceitando tanto jogadores masculinos como femininos”.
Quem são as gamer girls?
O mundo dos videojogos não pertence apenas aos homens, e as estatísticas comprovam: Há mais mulheres a jogar. A Maria João Andrade é gamer, mas também é psicóloga, formadora e colaboradora do site de videojogos Rubber Chicken. É uma estudiosa da área, e mune-se de dados concretos para nos falar da presença feminina no gaming. “Nos Estados Unidos, por exemplo, em 2016 verificou-se que 41% dos jogadores eram do sexo feminino, e 40% das compras de videojogos eram realizadas por mulheres”, conta-nos. Se recuarmos a 2014 e nos virarmos para a Inglaterra, os números são ainda mais surpreendentes: “Entre 33,5 milhões de jogadores, 52% eram do sexo feminino, e havia mais jogadoras mulheres com 18 anos ou mais, do que jogadores rapazes com menos de 18 anos”, de acordo com Maria João Andrade e segundo dados da Agência de Investigação Populus.
O que jogam?
Porquê este crescimento no número de mulheres a jogar? Os dados recolhidos por esta especialista apontam para os jogos de aplicações de telemóvel como um dos grandes fatores, porque “as mulheres gostam de jogos de puzzles e trivia”. O mundo das aplicações móveis é um caminho mais fácil para as mulheres acederem mais regularmente aos videojogos, mas isso não significa que elas só joguem jogos mobile… Se voltarmos aos dados, verificamos que 47% das jogadoras dizem gostar de jogos de CD (computador ou consola), 68% dizem que jogam online e 56% falam especificamente em jogar consola.
Quanto ao tipo de jogo, a Quantic Foundry fez um estudo com mais de 22 mil dados de jogadores, e apurou que as mulheres têm um gosto maior pelos videojogos onde podem seguir uma história e onde sentem que são a personagem. Por outro lado, as mulheres também apreciam os jogos que promovem a criatividade e a customização, bem como aqueles que permitem completar 100% dos objetivos – as mulheres também gostam dessa sensação.
Já os rapazes demonstram maior gosto por jogos competitivos e rápidos, e por jogos de estratégia. E se as mulheres não escolhem tanto este tipo de jogos, a Maria João Andrade é da opinião que isso também se deve “à discriminação que é vivida relativamente às mesmas neste meio, algo que não é incomum de se ver publicamente, em ambientes como a Twitch, ou mesmo no âmbito da própria comunidade gamer e social no geral”.
Mulheres convencionais vs. mulheres nerds?
Apesar de haver cada vez mais mulheres a jogar, provavelmente a maioria das raparigas do teu grupo de amigos pouco ou nada jogou e não percebe grande coisa sobre o assunto. Mas para a psicóloga com quem falámos, isso não deve levar-te a assumir que elas não têm interesse nisso: “Muitas vezes somos aliciados por atividades que os nossos amigos ou amigas partilham connosco, e se no grupo de amigos ou no contexto em que nos inserimos não existir um interesse ou a possibilidade de jogar, é normal que possam não se sentir tão aliciadas a fazê-lo”. No entanto, com quase metade da comunidade gamer atual composta por mulheres, é provável que a situação que descrevemos vá acontecendo cada vez menos.
Esta é uma visão corroborada pela gamer Maria Neves, que reforça que “todas as raparigas que já conheci em ambiente de jogo gostam do que fazem, por isso duvido que a sociedade as afaste”.
É por isto que, na opinião da nossa especialista, falarmos de pessoas nerds é conversa do século passado. Hoje em dia vivemos num mundo global, temos interesses e gostos muito diversificados e cada um de nós é único na sua forma de pensar e de ser. O mesmo se aplica aos videojogos e ao porquê de jogarmos ou de não jogarmos, e o que é que escolhemos jogar. “Não é por sermos gamers que somos ‘diferentes’, e não é por um rapaz gostar de jogar que tem forçosamente de ser um gordinho que não se cuida e que passa o dia inteiro no computador”, afirma Maria João Andrade, antes de concluir: “Diria que somos todos um pouco ‘fora do normal’”.
Os gamers e o estigma
Ainda hoje, existe a tendência de olhar para quem joga como alguém solitário e anti-social, que só tem olhos para a tecnologia. Há tanta gente diferente a jogar que é natural que existam pessoas que encaixem neste perfil, mas quem está por dentro deste mundo garante que existe igualmente o contrário: “Nerd é uma caracterização estereotipada que foi sendo dada a pessoas com intensa atividade intelectual numa determinada área e que são consideradas mais anti-sociais e solitárias, tendo um grande fascínio por tecnologia e conhecimento. Entre os gamers existe isso mas existe também o contrário, já que a entrada do gaming no online trouxe uma enorme vida social, inserida nesta atividade”, assegura a Maria João Andrade.
Por esta razão, com o aumento dos canais através dos quais os videojogos chegam às pessoas, e com o desenvolvimento dos desportos eletrónicos, o estigma está a diminuir. Ele continua a ser comum entre as pessoas mais velhas, mas mesmo os próprios pais de jovens gamers têm hoje de lidar com um mundo onde os seus filhos contactam frequentemente com videojogos – isso pode levá-los a perceber cada vez melhor que, apesar de jogarem, não estão a tornar-se pessoas anti-sociais e que se fecham em casa.
Essa é também a perspetiva da gamer Maria Neves, cuja experiência a leva a crer que quem joga “é cada vez mais visto como uma pessoa normal que sai com os amigos e que se diverte fora de casa, mas que também gosta daquele prazer que os videojogos lhe proporcionam”. O mundo do gaming está em crescimento, o que faz com que seja “cada vez mais normal ver pessoas a jogar, e isso vai aos poucos levar à inversão desta conotação negativa”, conclui.
Gamer = Jogador hardcore?
Dentro da comunidade de jogadores, é habitual a discussão em torno do que faz um verdadeiro gamer. Deve quem joga uns minutos por dia no telemóvel ser colocado na mesma categoria de alguém que joga na consola, online, e que faz stream dos seus jogos? O que é um gamer? Joga videojogos ocasionalmente ou em modo hardcore? Ou pode ser também alguém que experimentou apenas um jogo?
Na verdade, um gamer é alguém que gosta de jogar, seja como hobby, seja profissionalmente ou ocasionalmente, independentemente da plataforma em que joga. Aliás, não é por acaso que são contabilizados também como gamers aqueles que jogam telemóvel nas análises de dados de que te falámos anteriormente. O telemóvel, de acordo com a Maria João Andrade, “é simplesmente mais uma plataforma que surgiu para se jogar videojogos, sendo esta apelativa muito também pela sua facilidade de acesso”.
As grandes diferenças entre os vários tipos de jogador está, sobretudo, no tempo durante o qual estão a jogar. De acordo com os dados recolhidos pela Populus, em Inglaterra os gamers têm tendência a utilizar em média 3 plataformas, com o maior tempo de jogo a ser dedicado às consolas (30%), seguido do computador (24%) e do tablet (18%).
Na opinião da especialista com quem falámos, não faz sentido discutir “quem é mais ou menos gamer”, mas sim compreender que as várias plataformas que agora existem “levam a que os videojogos sejam explorados por pessoas de idades diferentes – e também do sexo feminino – e abrem um leque maior de possibilidades para jogar, sem termos de comprar uma consola”.
[Reportagem: Tiago Belim]