Entrevista | Ana Delicado, Socióloga, Investigadora e Vice-Coordenadora do Observa, reflete sobre Cultura Científica
Socióloga, Doutorada pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, onde é Investigadora Principal e Vice-Coordenadora do Observa – Observatório de Ambiente Território e Sociedade, Ana Delicado, em entrevista, debruça-se sobre o estado da Cultura Científica nacional.
O que é, afinal, Cultura Científica?
Existem inúmeras definições possíveis de Cultura Científica, mas, para mim, é o acervo de conhecimentos, atitudes e perceções que o público possui sobre Ciência. Quando se fala em promover a Cultura Científica, o objetivo é que os cidadãos tenham mais conhecimento e atitudes positivas, face ao universo científico. Pensa-se que, assim, serão seres mais informados, capazes de tomar melhores decisões, trabalhadores mais produtivos e consumidores mais conscientes.
Portugal assistiu, nos últimos anos, a um crescimento significativo dos espaços públicos de promoção da Cultura Científica, como Museus, Centros de Ciência, Aquários, e Jardins Zoológicos e Botânicos. Como justifica o aumento registado?
Deve-se a quase três décadas de investimento político na Cultura Científica. Com a criação da Agência Ciência Viva e com a introdução de regras de financiamento das Instituições de Investigação que “obrigavam” a executar divulgação científica, estabeleceram-se novas Organizações, nomeadamente os Centros Ciência Viva, e revitalizaram-se as já existentes, como os Museus e os Jardins Botânicos universitários.
Olhando para o estado atual da Cultura Científica em Portugal, que aspetos traria ao pódio?
É de louvar o número e diversidade de atividades de promoção da Cultura Científica que se processam em território nacional, bem como o forte envolvimento dos Cientistas e o desenvolvimento de uma comunidade de comunicadores de Ciência especializados. Porém, continua a registar-se uma dificuldade em “deixar de pregar para os convertidos” e chegar a públicos mais amplos.
De que forma se pode desenvolver a Comunicação de Ciência? Considera que o Jornalismo contribui para a Literacia Científica?
A Comunicação de Ciência precisa de mais financiamento para desenvolver projetos de comunicação, mais recursos humanos, com formação adequada, e boas condições de trabalho e de carreira. É necessário mais públicos, compostos por grupos mais afastados da Ciência e mais vulneráveis socialmente, e investir mais no diálogo bilateral.
O Jornalismo Científico leva a Ciência a camadas que não vão a palestras ou exposições. Mas, para isso, é imprescindível a especialização e o destaque a notícias de Ciência, em detrimento do sensacionalismo.
Que desafios são colocados no acesso à Educação e à Investigação Científica, especialmente no Ensino Superior?
As Universidades já têm uma preocupação em aproximar os alunos da Investigação Científica, sendo, em muitas áreas, proporcionada a oportunidade de realizar estágios científicos, colaborar com os laboratórios ou participar em projetos, dependendo, contudo, das Instituições de Ensino Superior. O principal desafio é, sem dúvida, investir no estreitamento de relações com o ensino.
Um estudo de 2020 afirmou que as mulheres constituem 60% das pessoas que trabalham em laboratórios do Estado Português, ocupam metade dos lugares de investigação nas Instituições de Ensino Superior e superam o número de homens investigadores em cinco de sete grandes áreas científicas. De que forma tem assistido a esta presença crescente do feminino no palco da Ciência?
A feminização da Ciência em Portugal acompanha a do Ensino Superior. Em muitos cursos, as raparigas encontram-se em maior número, sendo natural que sejam, também, mais a prosseguir estudos avançados, como Mestrados e Doutoramentos, e a enveredar por carreiras científicas. No entanto, quando se olha para as posições de topo, as mulheres, ainda, são uma minoria. Existe um “teto de vidro” que as impede de progredir, devido, em alguns casos, à discriminação nos processos de recrutamento, ou a “fugas na canalização”, que simbolizam entraves na conciliação entre a vida profissional e a vida pessoal.
2030 aproxima-se. Que apostas se encontram em cima da mesa para atingir as metas globais dos ODS no universo científico?
Tem havido algum esforço para reorientar a Investigação Científica para os temas dos ODS: Os programas nacionais e europeus de financiamento da Ciência tendem a encorajar. No entanto, muitos dos tópicos já eram objeto de análise, como as alterações climáticas, a preservação da biodiversidade, o combate à pobreza, e as questões da Educação.