Ao ver o seu artigo publicado, Isabel Carvalho, sentiu que foi um momento “muito gratificante” depois de uns longos quatro anos de investigação. A primeira aluna do curso de Ciências Veterinárias da UTAD a obter Doutoramento Europeu com máxima classificação conversou com a Mais Superior sobre o seu percurso académico que concluiu da melhor maneira.
MS- Ir para a universidade sempre foi um sonho? Conte-nos todo o seu percurso até aos dias de hoje.
IC- Sou uma pessoa organizada e estudiosa, com metas bem definidas e com gosto pela aprendizagem. Desde sempre quis entrar na Universidade, sendo a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro a minha primeira opção. Sou Vilarealense e queria começar a minha carreira universitária na UTAD. E assim foi.
MS- Qual foi o primeiro contacto com a ciência e, mais especificamente, com a veterinária? Como se costuma dizer, foi amor à primeira vista?
IC- No momento da escolha da Licenciatura, em 2012. Queria seguir um curso na área da saúde, não optei inicialmente por Medicina Veterinária mas sim por Engenharia Biomédica. Foi um curso bastante diversificado e com bases fundamentais para a minha carreira profissional. No mestrado, optei por Biotecnologia para as Ciências da Saúde, onde me foquei mais no conhecimento científico na área da Saúde. A minha dissertação de mestrado envolveu trabalho de investigação sobre a resistência aos antibióticos nos burros da raça Asinina de Miranda do Douro (espécie em vias de extinção).
MS- Fale-nos sobre todo o processo que desenvolveu durante a tese. Desde a seleção do tema, ao objetivo, investigação e resultados.
IC- No doutoramento, centrei os meus estudos na área da investigação em Ciências Veterinárias, onde estudei a problemática da resistência aos antibióticos em humanos, animais selvagens e animais de companhia.
A minha tese intitula-se “β-lactamases e carbapenemases de espectro estendido (ESBL) em Enterobacteriaceae de animais de estimação, animais selvagens e humanos. Estamos perante um problema de saúde pública?”
Os antibióticos são usados para tratar infeções provocadas por bactérias. A resistência aos antibióticos é a capacidade das bactérias para combaterem a ação dos antibióticos. Desta forma, estes medicamentos não fazem efeito e uma determinada infeção torna-se difícil de eliminar, podendo provocar a morte do indivíduo/animal.
Neste trabalho, posso salientar duas áreas de destaque. A primeira, a microbiologia, onde começamos com a recolha de amostras, isolamento de bactérias, estudo dos principais antibióticos, entre outros. Por outro lado, temos a área da genética onde investigamos os genes responsáveis pela resistência aos antibióticos na bactéria em questão. No meu caso, estudei a Escherichia coli, uma bactéria que existe naturalmente no nosso trato gastrointestinal (e também em animais de sangue quente) e que provoca frequentemente infeções urinárias; e Klebsiella pneumoniae, frequente em ambiente hospitalar (nosocomial) pode causar pneumonia, infecções sanguíneas, entre outras.
Verificamos que os genes de resistência aos antibióticos estão presentes em animais de companhia (tanto saudáveis como doentes), animais selvagens e humanos.
MS- A Doutora Isabel Carvalho é a primeira aluna da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) a obter doutoramento a nível europeu com nota máxima. Como foi a preparação?
IC- Foram mais de quatro anos dedicados a este projeto de investigação. Isto engloba trabalho de laboratório específico, onde os resultados estão interligados e têm de “bater certo”. Publicamos 7 artigos científicos como primeira autora e dois capítulos de livro em importantes revistas científicas. Participei também como coautora em artigos científicos da mesma área dentro do nosso grupo de investigação em Vila Real, PT (MicroArt) e Logroño, ES (Universidade de La Rioja).
Muitas vezes o processo de publicação é lento, mas, quando o artigo é publicado, é muito gratificante. Por outro lado, a participação em congressos científicos na área da microbiologia, tanto a nível nacional como internacional, fez parte deste percurso. É importante referir que, sendo um doutoramento europeu, a tese foi escrita em inglês na sua totalidade, e a apresentação para os jurados (dia da defesa de tese) foi exposta em inglês, e discutida em inglês e espanhol.
Obviamente, desconectar é essencial também. Aproveitar com a família e amigos, sentir o apoio “de quem nos quer”. Pratico desporto frequentemente, incluindo aulas de grupo, natação e danças latinas a par. Nos tempos livres, também participo como modelo em sessões e desfiles de moda a nível nacional.
MS- Qual é a importância deste contributo para a respetiva área e para a sociedade no geral?
IC- Este é o primeiro estudo que envolve uma abordagem completa de bactérias da família Enterobacteriaceae (E. coli e K. pneumoniae) produtoras de β-lactamases em animais domésticos saudáveis e doentes de Portugal, bem como em isolados clínicos humanos, e também em animais selvagens das Ilhas Canárias. Nos animais domésticos, estudamos cães e gatos, e os animais selvagens incluímos abutres e camelos. Estes isolados estão associados a diferentes clones internacionais nos quais CTX-M-15 é a β-lactamase mais frequente em todos os ecossistemas estudados. Estes resultados promissores podem representar um problema de saúde pública devido à proximidade de animais de estimação (cães e gatos) com humanos do ponto de vista da One Health (uma só Saúde).
MS- Como se sentiu com essa conquista?
IC- Após a defesa, destaco uma sensação de alívio e recompensa brutal.
A obtenção do grau de Doutoramento Europeu com nota máxima por unanimidade foi também a compensação de muito trabalho, estudo, preparação e organização.
MS- O Ensino Superior, é cada vez mais, para mulheres. A Isabel é prova disso. O que é que esta realização significa no que diz respeito à valorização das mulheres no âmbito académico e na Ciência?
IC- Considero que há muito bons cientistas e investigadores, tanto mulheres como homens. Antigamente, e infelizmente, a maioria das mulheres não tinha essa possibilidade.
Por vezes, o fator económico também é um entrave ao ingresso à vida universitária.
MS- Portugal é o nono país que menos investe na investigação, segundo o gabinete de investigação da UE, o Eurostat. Considera que o nosso país deve apoiar mais os estudantes neste sentido?
IC- Concordo que deveriam existir mais ajudas financeiras em Portugal para os estudantes e jovens investigadores. Sem dúvida que os orientadores têm um papel fundamental, assim como os laboratórios onde estes trabalhos são desenvolvidos. É uma profissão importante na sociedade atual e penso que a pandemia COVID-19 fez com que a população valorizasse mais a investigação.
MS- Após esta conquista, o que o futuro lhe reserva?
IC- No futuro, pretendo continuar com a investigação na área da saúde e, provavelmente, num pós-doutoramento. O tema ainda está por definir, mas será inovador e atual, com utilidade prática para a população.
MS- Como foi estudar na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD)?
IC- Guardo boas memórias dos professores que me acompanharam ao longo destes anos e que ainda acompanham o meu percurso académico. Escolhi o grupo MicroART e a Prof. Catedrática Patrícia Poeta como orientadora principal desta instituição (tanto na dissertação de mestrado como na tese de doutoramento).
Foi uma boa decisão estudar na UTAD, tal como fazer uma colaboração de uns meses numa universidade no estrangeiro. Espanha foi a minha opção, e o destino decidido em conjunto com os orientadores foi a Universidade de La Rioja, localizada em Logroño. Sem dúvida, foi uma experiência brilhante que me ajudou a desenvolver novas competências e alargar horizontes. Fui orientada pela Professora Doutora Carmen Torres, com uma vasta experiência na área da resistência aos antibióticos.
Mais informações com todos os artigos e abstracts publicados em congressos https://www.researchgate.net/profile/Isabel-Carvalho-14
https://orcid.org/my-orcid?orcid=0000-0003-1762-412X
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