Os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro estão aí à porta, e voltamos a chegar ao Brasil carregados de esperança. Mas desta vez, o motivo é o desporto, e as dezenas de atletas que prometem superar-se para levantar o esplendor de Portugal. E há vários a fazê-lo enquanto tiram… um curso superior.
A Filipa Martins e o Rui Bragança são dois dos 86 atletas (à data da redação deste artigo, era este o número de participantes portugueses confirmados nos Jogos) que vão representar Portugal nos Jogos Olímpicos (JO) deste ano. À partida, não existe nenhuma relação entre eles – uma é mulher, o outro é homem, uma pratica ginástica acrobática, o outro taekwondo. Mas também há algo que os une – são ambos muito jovens (20 e 24 anos, respetivamente), e ambos estão a tirar um curso superior.
Como é que se conciliam os estudos com as exigências do desporto de alta competição? Foi isso que fomos tentar descobrir ao falar com cada um deles. Entrevistámos também o Chefe da Missão Olímpica Portuguesa, o Professor José Garcia, para que fiques a par de tudo sobre a presença de Portugal no maior evento desportivo do mundo.
“Há que aproveitar a universidade para nos dedicarmos ao desporto”
Rui Bragança, 24 anos, atleta de Taekwondo na categoria -58 kg e aluno do 6º ano de Medicina
Vais participar nos teus primeiros Jogos Olímpicos, e chegas lá com o título de Campeão da Europa. Quais são as tuas expetativas para a prova?
Chego como Campeão da Europa, mas há cinco campeões continentais, e todos eles capazes de ganhar uma medalha. O Taekwondo é uma das modalidades onde é mais difícil chegar aos Jogos, e lá estão apenas os 16 melhores do mundo. Passar o primeiro combate já será muito bom, e se ganhar quatro já estarei nas medalhas. É um dia de competição muito intenso.
Como é que se treina uma modalidade como o Taekwondo? Há a parte física mas também o próprio combate…
O Taekwondo é um jogo dual, por isso se não tivermos um oponente não podemos fazer nada. Se estou onde estou, não só o devo ao meu treinador como também aos meus colegas de treino.
Tens hoje 24 anos, és um atleta de alta competição, e estás a terminar a tua formação superior. O que é que é preciso para chegar até aqui?
É precisa muita dedicação. É preciso estar disposto a fazer todos os sacrifícios e ter muita persistência, mesmo quando as coisas correm pior. É preciso continuar a acreditar e olhar para a frente, e quando sentirmos que tudo está mal, é trabalhar ainda mais para que possamos inverter isso.
E quando pensas em desistir, ao que é que te agarras?
Nesta altura já não penso em desistir, muito sinceramente. Gosto demasiado do Taekwondo, é a minha paixão e isso nunca esteve em causa. O núcleo em que estou inserido – treinador, colegas de treino, etc. – é como uma segunda família, e a minha família sempre me apoiou, ganhando ou perdendo. Muitas vezes, mais ainda na altura da derrota.
És um exemplo de que é possível conciliar os estudos com o desporto ao mais alto nível…
O desporto não dá futuro a ninguém. Até podemos sair-nos muito bem numa determinada modalidade, mas devemos sempre tentar tirar um curso superior, e até aproveitar o tempo que estamos na universidade para nos dedicarmos ao desporto, sem descurar os estudos. Podemos até demorar mais tempo a completar o curso, mas pelo menos, quando o tempo de praticar desporto ao mais alto nível chegar ao fim, teremos algo a que nos agarrar.
Mas não é fácil conciliar as duas coisas. Todos os dias perco 6 horas de estudo por causa do Taekwondo, e o cansaço também não é grande ajuda. No final, ainda tenho de fazer aquilo que os outros alunos fazem.
Escolheste o curso de Medicina… Que ideias tens para o futuro?
Neste momento, escolheria Anestesia ou Ortopedia. Mas ainda falta muito tempo! (risos)
Está hoje ao alcance de qualquer jovem português com talento para o desporto, ser um atleta de alta competição? Ou em Portugal continuam a faltar condições para a prática desportiva profissional?
Essa é uma ideia completamente errada. Portugal não tem as mesmas condições que uma França ou uma Inglaterra, mas há quem tenha muito menos ainda do que nós, e consiga resultados. E também já provámos, ao longo do tempo, que somos capazes de fazer mais com menos. Por isso acredito que sim, que se quiserem e se gostarem, é possível!
“Com sacrifício é possível conciliar tudo”
Filipa Martins, 20 anos, atleta de Ginástica Artística e aluna do 1º ano de Ciências do Desporto
Mesmo sendo tão nova, já tens algumas medalhas no currículo, conquistadas na Taça do Mundo. O que esperas da tua primeira ida aos Jogos Olímpicos?
Em primeiro lugar, quero muito fazer uma prova olímpica para testar o meu nervosismo, num ambiente diferente e na competição mais importante de todas. O meu objetivo é tentar chegar à final all around, que é a que reúne os quatro aparelhos.
O que é isso dos quatro aparelhos?
Chama-se Ginástica Artística, e é o desporto que pratico. Abarca as barras assimétricas; a trave olímpica (uma barra situada a 1,25 metros do chão, com 5 metros de comprimento e 10 centímetros de largura); o salto de cavalo (uma mesa de saltos, onde tocamos depois de correr numa pista com um máximo de 25 metros, para realizar uma acrobacia); e o solo, onde há 90 segundos para realizar movimentos acrobáticos e gímnicos acompanhados de música.
Fazes ginástica desde os 4 anos de idade. Como é que foste conciliando a prática desportiva com a escola, ao longo dos anos?
É sempre um pouco difícil, porque do pouco tempo que temos, ficamos ainda com menos. Mas com o apoio dos meus pais e da minha treinadora torna-se mais fácil gerir as coisas. Para além disso, agora na faculdade tenho a vantagem de estudar no mesmo sítio onde treino – na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto – mas o facto de ter muitas aulas práticas, acumuladas com os treinos, significa que chego ao fim do dia completamente esgotada.
Mas lá está, com sacrifício – e acaba por não ser um grande sacrifício quando gostamos realmente do que estamos a fazer – é possível conciliar tudo.
O que é que precisaste de fazer para alcançares este nível?
Eu acho que, quando temos um sonho, devemos segui-lo até ao fim, independentemente de quaisquer dificuldades que possam surgir. E foi sempre assim que encarei a ginástica, mesmo nos momentos mais difíceis e nos quais cheguei a pensar duas vezes se era mesmo isto que eu queria. E sim, é mesmo preciso sabermos responder sem dúvidas a essa pergunta, para conseguirmos abdicar de várias outras coisas. Por isso só posso aconselhar a nunca desistirem daquilo em que acreditam, nem dos objetivos que traçaram.
Que objetivos tens para a tua carreira e para a tua vida depois disso?
Neste momento quero acabar a faculdade, e mais tarde gostava de vir a ser treinadora de ginástica. Mas depois destes Jogos, ainda queria tentar ir aos próximos! (risos)
Está hoje ao alcance de qualquer jovem português com talento para o desporto, ser um atleta de alta competição? Ou em Portugal continuam a faltar condições para a prática desportiva profissional?
Na minha opinião continuam a faltar condições. Por um lado, a ginástica é ainda muito pouco conhecida da maioria das pessoas, e acho que falta incutir, nas escolas, um pouco de cada modalidade. Por outro, só há pouco tempo é que passámos a ter o primeiro Centro de Alto Rendimento, o que impossibilita que possa lá treinar tantas vezes quantas eu gostaria. Os apoios também são poucos ou nenhuns, e isso torna mais difícil reunir as melhores condições de treino.
“Estes atletas representam aquilo que Portugal tem de melhor”
José Garcia, Chefe da Missão Olímpica Portuguesa e Professor de Educação Física
Quantos atletas portugueses estarão presentes nos Jogos do Rio? E modalidades?
Até ao momento, temos confirmada a presença de 86 atletas, num total de 15 modalidades. Isto significa que, face aos Jogos de Londres, vamos crescer tanto no número de atletas, como no número de modalidades representadas. De qualquer forma, estes são números provisórios, uma vez que o processo de apuramento termina apenas a 11 de julho.
Que objetivos tem para os Jogos deste ano a Missão Olímpica Portuguesa?
O objetivo é levar os melhores atletas portugueses aos Jogos Olímpicos, para que lá sejam capazes de demonstrar a sua qualidade. No fundo, fazerem aquilo que estão habituados a fazer, e se possível fazerem ainda melhor e superarem-se. É preciso não esquecer que muitos destes atletas conseguem conciliar o desporto com os estudos, e ainda são pais, mães, filhos. Estes atletas representam aquilo que Portugal tem de melhor, e está na altura de respeitarmos esta gente.
E quanto aos resultados?
Todos nós, de uma maneira geral, sonhamos com o momento de subir ao pódio para receber uma medalha. Eu próprio fui atleta olímpico, e ainda hoje me emociono quando vejo a nossa bandeira subir. Se o hino tocar então…
Esta é a vontade de todos nós, dos atletas, dos treinadores e de todos aqueles que estão envolvidos nesta Missão.
Os portugueses costumam lembrar-se das modalidades (e de pedir medalhas) sempre que chegamos aos Jogos Olímpicos. Isto é algo cultural?
É cultural, e há algo a que temos assistido nos últimos tempos, que é a desvalorização crescente do desporto, através da desvalorização da prática da Educação Física nas escolas. No meu tempo, a prática desportiva era espontânea, e agora os jovens não o fazem. Isso tem forçosamente de ter reflexos na competição desportiva, no alto rendimento, e até na saúde da população.
Está na hora das escolas e das universidades perceberem isto, e darem o seu contributo. E tem de haver uma consciencialização política, social e cultural de que a prática desportiva é fundamental.
Como é que se prepara uma ida de um país aos Jogos Olímpicos?
É algo que começa muito cedo. As federações internacionais acordam com o Comité Olímpico Internacional (COI) as regras e condições de apuramento e de seleção dos seus atletas. Depois, cada federação estabelece um projeto e um objetivo para alcançar resultados, e o Comité Olímpico local, ao dar início ao processo de organização, reúne com as federações e começa a passar todas as informações, para além de servir de ponte entre estas e o COI.
De resto, à medida que os Jogos se aproximam, vamos reunindo a nossa equipa e preparando toda a logística necessária.
[Fotos: cedidas pelo Comité Olímpico de Portugal]