Entrevista | Analita Santos: “A palavra escrita sempre foi o meu meio de expressão mais poderoso”
Com certificação internacional em Storytelling, Pós-Graduação em Escrita de Ficção e Mestrado em Escrita e Narração Criativa, Analita Alves dos Santos, Autora, Formadora e Mentora Literária, incentiva o cuidado com a Língua, “um leitor de cada vez“.
Em entrevista, revela que “o ativismo é a resistência contra a passividade induzida pela constante enxurrada de conteúdo superficial“, sendo que “iniciativas de sensibilização, livros de especialidade e formações online, acompanhadas de feedback construtivo“ podem (mesmo) fomentar uma maior apreciação pela precisão.
A mim, a palavra escrita apazigua-me. E a si?
No meu caso, mais do que apaziguar, a palava escrita permite-me explorar a complexidade do mundo. Através da escrita, posso dar vida a personagens, criar realidades e transmitir ideias que impactam os outros. A palavra escrita sempre foi o meu meio de expressão mais poderoso, capaz de evocar emoções, despertar pensamentos e consciências. Apazigua-me, mas também me dessossega.
“Incentivar os portugueses a ler mais e a escrever com mais confiança”. O propósito a que se propõe cumprir é reflexo de que personalidade?
A leitura e a escrita salvaram-me nos tempos de adolescência. Quando me sentia perdida ou sobrecarregada pelas emoções, encontrava refúgio nas páginas dos livros, e no papel em branco. A escrita tornou-se num confessionário onde podia desabafar sem medo de julgamento e organizar os pensamentos caóticos em palavras coerentes. Os livros, por sua vez, foram os meus melhores amigos. Em cada história que lia, deparava com personagens que entendiam as minhas lutas e desafios, e enredos que me transportavam para onde podia escapar das dificuldades da vida. Através da leitura, descobri outras perspetivas, desenvolvi empatia e encontrei inspiração para enfrentar os desafios da vida real. Ambas não apenas me salvaram, mas moldaram quem sou hoje. São lembranças que guardo com gratidão, pois foram essas práticas que me ajudaram a crescer, a encontrar-me e a superar obstáculos. Julgo que esta minha missão de incentivar os portugueses a ler mais e a escrever com mais confiança é o resultado dessa minha experiência.
Pelos territórios das obras literárias, que percurso (orgulhosamente!) tem traçado?
Embora tenha começado tarde nesta jornada, acredito que a idade tardia me proporciona uma maior maturidade e reflexão no uso das palavras. Comecei com livros infantis, mas desenvolvi uma paixão por contos. Já escrevi um romance e mantenho-me ativa na escrita de crónicas. Atualmente, estou a trabalhar num segundo romance, embora não ao ritmo que desejaria. É um percurso desafiador, ainda muito no princípio, mas sinto-me feliz com o caminho que estou a traçar pelas terras da literatura em Portugal.
Curadora do clube de leitura “O Prazer da Escrita”, realiza, ainda, ações de instigação à leitura e à Educação Ambiental, em Escolas, Bibliotecas e Feiras do Livro. Porque é que “ler e escrever é essencial”?
Como disse anteriormente, os livros e escrita ajudaram-me a encontrar o caminho e acredito, por isso, que o mesmo poderá acontecer a outras pessoas. O lema «ler e escrever é essencial» é a materialização desta minha convicção.
Ler e escrever não só enriquecem o indivíduo, mas também constituem pilares para o avanço e bem-estar do coletivo, permitindo a partilha de conhecimento, o estímulo à inovação, e a construção de uma sociedade mais informada e empática.
Os clubes de leitura funcionam como agregadores de interesses, espicaçam os leitores na descoberta de novas vozes, novos géneros literários: sinto-me impelida a desempenhar esse papel. Ir às escolas, bibliotecas ou feiras do livro é criar pontes entre quem escreve e quem lê. Não consigo encarar este ofício sem estas dimensões.
Orientar e aconselhar autores aspirantes em diversas áreas do ofício é um desafio prazeroso?
Sim, orientar e aconselhar autores aspirantes nas diversas áreas da arte literária constitui um desafio gratificante, sobretudo quando encaramos essa tarefa como parte essencial da nossa missão de vida. Enquanto mentora literária, percebo a oportunidade de guiar, inspirar e apoiar outros escritores nas suas jornadas criativas, não apenas como uma responsabilidade, mas como um privilégio de enriquecimento mútuo. Tudo isto, enquanto trilho também o meu caminho.
Para mim, a literatura funciona como uma ponte, um meio de comunicação que ultrapassa as barreiras do tempo e do espaço. Esta convicção está na base da minha abordagem enquanto mentora: vejo cada autor não apenas como alguém que precisa de desenvolver competências, mas como uma voz única que tem algo de valor a partilhar com o mundo. Mais do que ensinar técnicas de escrita ou estratégias de publicação, procuro apoiar cada escritor a descobrir e a aprimorar a sua voz literária, a ultrapassar barreiras criativas e emocionais, e a compreender o impacto transformador que a sua escrita poderá exercer na vida dos leitores.
O desafio traz consigo uma tremenda satisfação. Não existe recompensa maior do que assistir ao crescimento de um autor, observar as suas ideias iniciais a transformarem-se em narrativas poderosas e, em livros que irão emocionar os leitores. É um caminho repleto de desafios, mas cada obstáculo ultrapassado representa uma vitória conjunta, um passo mais próximo da concretização de um sonho partilhado.
Ademais, esta jornada é recíproca. Enquanto mentora, estou em constante aprendizagem com os autores aspirantes com quem trabalho. As suas perspetivas, desafios e sucessos inspiram-me e motivam-me a evoluir, tanto a nível profissional como pessoal. Reforçam a convicção no poder transformador da literatura e na sua capacidade de tocar vidas, provocar reflexão e até mesmo concretizar mudanças significativas no mundo.
Orientar e aconselhar autores aspirantes é sem dúvida um desafio gratificante e uma missão que vai além do conceito de «trabalho». Trata-se de uma troca enriquecedora de conhecimentos, experiências e, acima de tudo, de humanidade, onde cada livro escrito, celebra a vida e a infinita capacidade do ser humano para criar e conectar-se através das palavras.
“Possibilitar uma aprendizagem com quem vai na dianteira e dar voz a quem deseja gizar caminho” é o mote da “PALAVRAR”. Que resistência é procurada?
A resistência de quem acredita que as suas palavras podem fazer a diferença. Um leitor de cada vez.
Mas, um bom escritor tem (obrigatoriamente) de ser um leitor assíduo?
Dir-se-ia que ser um bom leitor não é meramente uma recomendação para quem deseja aventurar-se no ofício da escrita; é, talvez, uma necessidade intrínseca. Como pode um artista criar sem antes ter sido exposto a outras expressões artísticas? Como pode um escritor pintar com palavras sem ter admirado as obras de seus predecessores? A leitura alimenta a mente, provoca o pensamento, inspira e desafia. Aquece a alma criativa, incitando-a a produzir, a inovar, a transcender.
Existirão, sem dúvida génios autodidatas, cuja inspiração brota não das páginas lidas, mas da observação direta da vida, da natureza, das interações humanas. Um bom escritor tem, sim, de alimentar a sua arte com a riqueza que lhe é externa (sem descurar o seu mundo interno, naturalmente), seja através da leitura, seja através do livro aberto que é o mundo.
Um bom escritor beneficia de ser um bom leitor, mas a obrigatoriedade dessa relação é tão fluida quanto as próprias regras da arte de escrever. Mas são sempre preciso dois para dançar o tango.
Imersos num poço de algoritmos, scrolling, likes e partilhas (silenciosas), considera que carecemos de mais ativismo literário?
Sim. Acredito que sim. O ativismo é a resistência contra a passividade induzida pela constante enxurrada de conteúdo superficial, um remédio para combater a apatia.
Todos aqueles que valorizam a palavra escrita como forma de expressão, reflexão e transformação podem (e devem) assumir um papel ativo na promoção de uma cultura literária que transcenda o imediatismo e a superficialidade, características desta era digital.
O facto de escrevermos cada vez mais conduz à existência de uma banalização crescente do erro em contexto digital. De que forma invertemos a tendência do “desmazelo linguístico”?
A crescente prevalência da escrita em ambientes digitais, acompanhada por uma aparente desvalorização das normas linguísticas, levanta preocupações sobre a banalização do erro.
Para contrariar esta tendência do “desmazelo”, é essencial adotar uma abordagem multifacetada que envolva tanto a educação formal e informal, como a utilização proativa de ferramentas tecnológicas de correção ortográfica e gramatical.
A valorização da leitura desempenha um papel crucial, incentivando o contacto com textos bem escritos e reforçando a compreensão e a aplicação correta da língua.
Além disso, iniciativas de sensibilização, livros de especialidade e formações online, acompanhadas de feedback construtivo, podem fomentar uma maior apreciação pela precisão. Tudo passa por uma questão de brio e de procura da excelência em tudo o que fazemos. É necessário incentivar esta postura. Na escrita e na vida.
Que papel possuem os pais e professores?
Os pais e professores desempenham papéis fundamentais no combate ao «desmazelo linguístico», atuando como os primeiros agentes na formação de uma alicerces robustos para o uso correto da língua. São, em essência, os pilares que sustentam o desenvolvimento linguístico e cultural das crianças e adolescentes, oferecendo as ferramentas necessárias para que possam navegar num mundo cada vez mais digitalizado, com competência e cuidado linguístico.
A colaboração entre pais e professores é também decisiva. A comunicação regular sobre o progresso e as dificuldades específicas de cada criança ou adolescente permite que ambos ajustem as suas estratégias de apoio e intervenção.
O que são, afinal, “histórias com significado”?
As «histórias com significado» são narrativas que vão além do simples entretenimento, abarcando dimensões que tocam a alma, provocam reflexão e, muitas vezes, incitam à ação. São livros que carregam o peso de ensinamentos, valores, indagações sobre a existência, a moral, a sociedade ou o meio ambiente. Atravessam o limiar do imaginário para se aninharem nas realidades do leitor, proporcionando novas perspetivas ou fazendo eco com as suas vivências e inquietações.
Estas narrativas conseguem, através da magia da palavra escrita, conectar-se de forma íntima com quem as lê, desencadeando processos de identificação, empatia e, em muitos casos, transformação. Ao serem confrontados com «histórias com significado», os leitores são levados a refletir sobre si e o mundo. O resultado? Quiçá, uma mudança de atitudes, crenças ou ações.
As «histórias com significado» não se limitam a um único género ou forma. Encontramo-las em romances, contos, poesia ou mesmo em relatos biográficos e históricos. O que as une é a capacidade de suscitar uma resposta emocional ou intelectual, incentivando o leitor a questionar, a aprender e, a crescer. São, em essência, um convite à reflexão e, à mudança. Por mais pequena que esta possa ser.