Stray assume RAFEIRO como a expressão de “uma vontade de aproximar os cânones do Hip-Hop do universo da cantilena e da lengalenga, duas marcas da tradição oral, poética e musical Portuguesa menos preponderantes na referenciação musical moderna”.
Tal como Tom Waits, que encontrou nas raízes da Broadway, no jazz, nos blues, no vaudeville, no country e na folk mais remotas, na música das feiras e nas imagens sépia de outros tempos fontes para uma aparentemente inesgotável inspiração, povoando as suas canções de prostitutas e bandidos, de marinheiros e anões, de palhaços e domadores, de aventureiros e alcoólicos, também Stray resolveu usar este novo trabalho como uma oportunidade para revitalizar marcas do “linguajar” nortenho, transmontano e beirão: “Estas influências textuais são, por um lado, marcadamente idiossincráticas dada a minha ascendência e, por outro, fruto do meu apreço por autores literários como Aquilino Ribeiro ou Miguel Torga, cuja produção artística homenageia o mesmo sentido cultural que me interessa — aquele que é despido de formas académicas e que, mais do que se desenvolver num sentido institucional, simplesmente brota das vidas, dos costumes e dos folclores locais sem outras pretensões”.
Com a ajuda de Raez, produtor de todos os “filmes” sonoros tornados vívidos pelas palavras de Stray, e buscando inspiração nos blues e nas canções de trabalho, este disco desenrola-se encontrando pequenos rasgos de luz na cadência fúnebre dos blues, com baterias marciais, guitarras que parecem saídas de filmes sobre o velho oeste, com a voz envolta na névoa que emanava de outros tempos, como se o disco tivesse sido gravado ao vivo numa velha roadhouse, algures nos arredores de Tupelo. E escutam-se pianos, ruídos de caminhos de ferro, cacofonias de ferro-velho, realejos de feira, tubas e harmónicas, trovoadas e poeira, e cadências vocais de “chain gang” de beira de estrada ao serviço de uma prisão no Mississippi.