O subfinanciamento português para o ensino superior, as dificuldades dos alunos com necessidades educativas especiais e a divergência nos subsídios de deslocação são algumas das problemáticas apresentadas no Livro Verde da Federação Académica de Lisboa.
O livro surge como seguimento do Livro Negro, apresentado em abril de 2018, com uma contextualização do financiamento a nível europeu. “Vem estimular a discussão e reflexão em torno das problemáticas e das melhores medidas a serem implementadas para melhorar o nosso sistema e chegar ao modelo de Ensino Superior que nós defendemos e que cremos que é digno de Portugal e dos nossos estudantes”, defende Sofia Escária, presidente da Federação Académica de Lisboa.
No seu primeiro capítulo, é discutido e comparado o financiamento do Ensino Superior público nacional com a percentagem do PIB investido no sistema educativo a nível europeu. Para a FAL, existe uma desresponsabilização estatal no financiamento do Ensino Superior e, por conseguinte, uma pressão nos agregados familiares e nos estudantes responsáveis por pagar as propinas, taxas e emolumentos, cada vez mais elevados. Entre 2007 e 2016, o valor das propinas pagas por todos os estudantes aumentou, passando de 234 milhões para 317 milhões.
Trabalhar para poder estudar
São cada vez mais os estudantes que trabalham para comparticipar a sua frequência no Ensino Superior, ao apresentarem dificuldades financeiras que levam muitas vezes ao abandono escolar.
Segundo o inquérito europeu Eurostudent de 2018, os portugueses fazem parte do grupo de trabalhadores-estudantes que assume ter de trabalhar para garantir a continuação dos estudos. A este estado juntam-se os estudantes da Albânia, Alemanha, Finlândia, Hungria, Irlanda, Islândia, Malta, Noruega e Polónia. Entre 10% a 40% (dependendo do país) dos estudantes estão empregados e chegam a despender mais de 50 horas semanais entre o estudo e o trabalho.
Desta forma, a FAL apoia uma redução progressiva do financiamento por parte dos agregados familiares e estudantes para o acesso e sucesso académico; uma revisão da redistribuição orçamental para combater a política de desinvestimento e revelar a necessidade de criação de uma figura de consórcios para coordenar a oferta formativa, de recursos físicos e materiais entre a Rede de Ensino Superior; além de mudanças nos apoios dados aos trabalhadores-estudantes.
Para estes estudantes, as taxas de inscrição, matrícula, certidões de matrícula, inscrição, frequência, habilitações e conclusão de ciclo devem passar a ser gratuitas, uma vez que “já são contemplados na propina”. Recomendam a criação de um grupo de trabalho progressista para rever as bases do financiamento do Ensino Superior, numa orientação participada pelo movimento associativo nacional, CCISP, CRUP, órgãos político-institucionais, entre outros considerados relevantes.
Necessidade de reformulação dos apoios de ação social
No segundo capítulo do Livro Verde, aborda-se a ação social direta e indireta. É discriminada a questão do alojamento, as condições que as residências das próprias instituições de ensino possuem. É defendido que devem ser potenciados apoios sociais, diretos ou indiretos, por outras fontes que não a administração central, em que se devem incluir as Autarquias.
Os apoios do sistema de ação social restringem-se a 20% do total dos estudantes do Ensino Superior e o PIB per capita está abaixo da média europeia, segundo o Eurostudent de 2018. Assim, é proposto por estes investigadores o ajuste da percentagem de bolsas atribuídas.
“Na maior parte dos países da europa onde não se pagam propinas, são os países que mais apoios da ação social têm porque as bolsas de estudo são atribuídas aos estudantes para os incentivar a estudar e não simplesmente de os ajudar a pagar aquilo que já têm de pagar”, explica Sofia Escária.
Os estudantes com necessidades educativas especiais e os estudantes deslocados também são abordados no documento de 100 páginas. “As nossas instituições não têm capacidade para os estudantes com necessidades educativas especiais, quer de acessibilidade, quer de acompanhamento”, acrescenta a presidente da FAL, “Nem todos os estudantes com necessidades educativas especiais são identificados como tal, porque muitos não o manifestam, por vergonha. Muitas vezes, as instituições nem se apercebem que eles existem e, como tal, os apoios não são devidamente fornecidos.”
Quanto aos estudantes deslocados, a FAL explica que existe uma insuficiência das residências e uma discrepância nos subsídios de deslocação na região autónoma dos Açores.
Além de todas as problemáticas discutidas e das recomendações apresentadas, os investigadores transmitem ainda uma mensagem transversal ao documento – relativamente à oferta formativa. Defendem que os estudantes devem ser cada vez mais preponderantes e interventivos na definição da oferta formativa, no sentido em que os planos têm de ser menos restritos, com mais interdisciplinaridade e interrelacionamento entre áreas, com desenvolvimento de competências e soft skills diferentes da oferta formativa base.
A redução do valor das refeições nas cantinas sociais para 2,39 euros é também uma das recomendações deste Livro.
[Foto: FAL]