Entrevista | Boss Biche Poesia: A ode lírica
A união da sagacidade do cartoon e a pujança da palavra equilibra o humor satírico e a profundidade poética — num projeto inspirador, que desabrochou de um “acaso feliz”, onde as comic strips e as novelas gráficas elaboram versos improvisados e gritam emancipação.
Leonor Ribeiro, Fundadora, confessa — em entrevista — as aspirações, que a tornaram numa (eloquente) promessa literária, mediante “um espaço de expressão — e de identidade”.
A ilustração manifesta ser um ato de liberdade. Que consequências acarreta?
As frases que oiço dizer com mais frequência são “eu não sei desenhar” ou “eu nunca consegui aprender a desenhar”. Noto que há uma maior motivação para escrever do que para desenhar, até em mim mesma.
Facilmente nos martirizamos quando uma pintura ou uma ilustração não está de acordo com o que idealizámos, mesmo que estejamos a fazê-la para nós mesmos sem intenções de a mostrarmos a outras pessoas.
A meu ver, não há nada mais libertador do que criarmos algo que nos deixa satisfeitos e de coração cheio.
Com exibições — a solo — na Casa da Juventude de Odivelas ou no Festival “Caldas Late Night”, o desdém persiste?
Acho que a autopromoção é a única forma de criarmos relações, sejam elas de que natureza forem.
Não podemos fazer amizades sem nos apresentarmos a pessoas novas, não podemos arranjar emprego se não partilharmos o nosso currículo e não podemos ter exposições (entretanto conto com quatro) sem apresentarmos propostas aos locais que possam ter interesse em acolhê-las.
As redes sociais têm sido um excelente mecanismo de publicidade para a Boss Biche Poesia, mas descobri que não há nada mais eficaz do que frequentar os locais presencialmente e conhecer as pessoas cara a cara, seja em eventos de microfone aberto, feiras, festivais, tertúlias, etc.
A presença regular — em palcos — fornece um fôlego renovado ao género menos comprado — em Portugal. O encadeamento a dimensões artísticas rotula uma escrita “para ser declamada”?
Há dois tipos de poesia que levo a palco: a slam poetry, na qual a minha licenciatura em teatro se tem mostrado bastante conveniente, e a poesia satírica, que tem uma presença mais frequente nos meus espetáculos a solo do que em eventos de microfone aberto, uma vez que inclui projeções das minhas ilustrações enquanto estou em palco.
Depois de ter juntado a rima ao cartoonismo, fez todo o sentido que acrescentasse uma terceira dimensão às minhas criações: a dramaturgia. Modéstia à parte, acho que tenho conseguido bons resultados.
O modelo final emerge de inspirações momentâneas?
Muita da minha poesia — e das ilustrações que a acompanham — é inspirada em momentos caricatos que ocorrem no meu quotidiano.
Muitas vezes, assim que a ideia me surge, o texto e as ilustrações são feitos num ápice, mas já tive ideias que ficaram fechadas “na gaveta” durante meses e que só foram acabadas quando, eventualmente, percebi que fórmula funcionava melhor para elas.
Integrando — agora — o “NOVA em Folha”, o vocabulário afiado e visceral perde a força — em contexto institucional?
Não.
O jornal é gerido pela associação de estudantes da NOVA FCSH e durante a minha primeira reunião com eles fiz questão de perguntar se queriam que eu censurasse algum termo menos “simpático” que constasse nos meus poemas.
Disseram-me que não era preciso, e os poemas que são publicados no NEF estão lá exatamente como estão nas minhas redes sociais.
A Feira do Livro de Lisboa presenteou-te com o lançamento de “Mimas, A Gata do Guimas”. O verso infantil detém um papel preponderante?
O meu livro de infância preferido está escrito em verso (O Gato do Chapéu, do Dr. Seuss).
Tenho muitos manuscritos para livros infantis, todos eles em verso – por ser um formato super acessível para as crianças e que me surge organicamente (mais uma vez, aquela ideia da “carta na manga”).
Até agora, tenho recebido feedback bastante positivo em relação ao meu livro e aos eventos que faço em torno dele.
Imersos num poço de scrolling e shares, a banalização crescente do erro revela-se evidente?
Uma vez que vejo a Boss Biche Poesia como a resposta poética às comic strips, faz todo o sentido que ela esteja presente nas redes sociais, que são plataformas acessíveis a todos e que me permitem publicar com consistência.
A partir do momento em que publicamos algo online temos que aceitar que o nosso conteúdo vai ser criticado de várias formas e que é de fácil acesso a pessoas que não conhecemos de lado nenhum e a quem não nos podemos justificar. Tenho sempre isso em mente ao publicar mas também evito comparar o meu conteúdo (e o retorno que recebo dele) a outras páginas e criadores, pois o mundo digital raramente reflete o mundo “real”.
2025. O que te reserva?
Neste momento uma das minhas grandes lutas é contra a inteligência artificial que, por exemplo, em contexto universitário é considerada plágio e dá direto a expulsão. Por essas e outras razões creio que a IA merece esse tratamento no meio artístico e editorial: para além de ser um grande insulto à integridade e capacidade humana é um atentado ao planeta e ao clima.
Também quero criar uma série de comic strips e, se me permitem ser ainda mais ambiciosa, ver a Boss Biche Poesia editada ainda este ano.