A luta pelos Direitos Humanos: uma luta sem fim à vista
O Dia Internacional dos Direitos Humanos é assinalado anualmente no dia 10 de dezembro, para comemorar a data em que a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) foi adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1948.
A declaração é um documento que proclama os direitos inalienáveis das pessoas, com o intuito de promover a defesa dos Direitos Humanos em todo o mundo, independentemente da sua raça, cor, religião, género, língua, opinião política, da propriedade, do nascimento ou de outro estatuto.
Todos os anos as Nações Unidas escolhem um tema para dar voz à sua campanha e realçar a necessidade de um empenho contínuo no sentido de respeitar os direitos humanos. Este ano, que marca o 75.º aniversário da DUDH, o tema escolhido para o Dia Internacional dos Direitos Humanos é “Dignidade, Liberdade e Justiça para Todos”, campanha que durará um ano, para realçar a sua importância.
A Mais Superior foi entrevistar a Paula Pedregal, encenadora da peça “Bestas de Lugar Nenhum”, nova criação da Companhia de Teatro de Sintra, produzida pelo “O Chão de Oliva”, Centro de Difusão Cultural em Sintra. O espetáculo estreou no dia 24 de novembro e está em cena até 11 de dezembro, na Casa de Teatro de Sintra e que quer levar os jovens a pensar e refletir sobre direitos humanos e das crianças.
Pode explicar resumidamente aos nossos leitores, do que se trata a peça “Bestas de Lugar Nenhum”?
“Bestas de Lugar Nenhum” é uma adaptação da obra literária “Beasts of No Nation”, de Uzodinma Iweala, que conta com a brilhante tradução para português de Carla da Silva Pereira. Esta é uma obra que relata, na primeira pessoa, a história de Agu, um menino que, num país africano sem nome, é obrigado a combater numa das muitas guerras que invadem o território onde vive. A temática central desta produção são as crianças-soldado, bem como as atrocidades que lhes são infligidas. Por outro lado, reflete-se sobre todo o tipo de crimes que são obrigadas a cometer, numa guerra que nem são sequer capazes de compreender.
No espetáculo, a personagem principal, o menino Agu, é uma dessas crianças que, ao fugir da guerra na sua aldeia, completamente desamparado, sem família, sem alimento e sem proteção, é encontrado, raptado e obrigado a combater pelos senhores da guerra. Ao longo da história, questiona se algum dia terá paz e debate-se com o medo de morrer, bem como a necessidade de ter de matar, para sua sobrevivência.
Por tudo isto, este espetáculo é como um murro no estômago, que pretende fazer os espectadores, nomeadamente os jovens, pensarem sob
re problemáticas como os Direitos dos Humanos e das Crianças, além de refletirem sobre a guerra que, passem os anos que passarem, continua a estar presente em todos os cantos do mundo.
No entanto, esta produção só é mesmo possível graças à interpretação dos três atores que compõem o elenco: Atcho Express, Carlos Abreu e Lima e Hugo Sequeira, que se entregaram de corpo e alma a esta peça desde o primeiro dia. Enquanto encenadora, este foi dos processos criativos mais gratificantes que já vivi. Aliás, esta peça é mesmo muito especial para toda a equipa e estamos muito felizes por, até dia 11 de dezembro na Casa de Teatro de Sintra. De quinta a domingo, podemos finalmente partilhar com o público esta peça.
Como surgiu a ideia de criar uma peça que chamasse à atenção para este tema?
No próximo ano, 2023, o Chão de Oliva irá dedicar-se inteiramente à reflexão de temáticas relacionadas com as crianças e os jovens. Nesse âmbito, o tema das crianças-soldado já há muito tempo que tinha despertado o meu interesse e vontade de saber mais, e tendo em conta este nosso objetivo para o próximo ano, considerámos que este seria o momento ideal para avançar com o projeto de levar “Bestas de Lugar Nenhum” a palco.
Sobre como chegámos à obra, foi numa ida à Feira do Livro que me cruzei com o livro que acabaria por inspirar esta peça. Este texto de Uzodinma Iweala teve um impacto brutal em mim, ao ser uma história muito forte e comovente. Foi por isso que, quando terminei de o ler, pensei que se iríamos falar de crianças em 2023, então tínhamos de contar a história daquelas que mais sofrem.
As crianças-soldado são um problema por resolver e, muitas vezes, um tema escondido. Nos dias de hoje, são milhares as crianças que, anualmente, se veem forçadas a integrar grupos armados, acabando por ser vítimas de todo o tipo de maus-tratos e privadas de ter uma infância e, em muitos casos, um futuro. O sofrimento de todos estes meninos é inimaginável. Cabe-nos a nós, que temos uma voz e que chegamos a um público, contribuir para a discussão, reflexão e sensibilização perante este tipo de problemas fulcrais na sociedade atual.
Quais são os direitos humanos que são postos em causa na peça?
Nesta peça, os Direitos Humanos nos quais refletimos são, essencialmente, os das crianças, apesar de outros como os das mulheres também serem abordados. Isto porque, em situações de guerra e conflitos armados, os mais jovens veem muitos dos seus direitos serem completamente desrespeitados, incluindo os mais básicos.
Neste tipo de cenário, são muitas as crianças que, apesar de sobreviverem, ficam sozinhas, sem qualquer tipo de proteção e amparo e veem as suas famílias serem destroçadas. A estas é-lhes ainda roubado o direito à educação, sendo esta uma realidade presente na história de Agu, que sonha, mesmo perante todas as adversidades, ir para a universidade e, no futuro, “ser médico, para salvar pessoas em vez de matar pessoas”.
Abordamos ainda no espetáculo a privação de direitos tão simples quanto o direito à alimentação, a ter uma família e, acima de tudo, o direito a viver em paz – todos eles retirados às crianças-soldado.
É certo que, para nós, chega até a ser difícil imaginar que estas situações ainda aconteçam, num mundo que julgamos tão evoluído, mas a verdade é que são uma realidade em inúmeros locais do planeta. Enquanto ocorrerem, esta peça fará sempre sentido.
Considera que a peça pode ser pertinente para as gerações mais novas e levá-los a refletir sobre os direitos humanos e das crianças?
Claro que sim. A arte é muito mais que entretenimento. Pretendemos alertar, denunciar e consciencializar para problemas atuais e, principalmente, sobre aqueles que são dos maiores visados pela crueldade que existe no mundo: as crianças.
Assim, apesar de este ser um espetáculo pensado para tocar pessoas de todas as idades, queremos chegar aos jovens. Por os vermos como o futuro da sociedade, queremos aproximá-los destas problemáticas e despertar em si a vontade de agir, de fazer a diferença e contribuir para um mundo melhor.
Tanto o espetáculo propriamente dito, como as conversas que temos aos domingos, após o espetáculo, são momentos de consciencialização. É preciso relembrar os jovens portugueses que nem todos têm os seus direitos respeitados, apenas de terem nascido num outro local do mundo. É isso que queremos fazer: consciencializar as novas gerações para esta realidade, com o objetivo de criarmos jovens mais responsáveis, bem como cidadãos com uma posição ativa.
Qual é o papel das novas gerações no combate dos problemas associados ao desrespeito dos direitos humanos?
As novas gerações são o futuro, pelo que, se não queremos que o mundo caminhe para trás, é essencial informá-las o máximo possível acerca daquilo que há de errado e prejudicial no mundo em que vivem.
Eu acredito muito que quando somos jovens e ainda estamos a moldar a nossa personalidade, se formos tomando consciência daquilo que se passa à nossa volta, vamos sentir, desde cedo, a necessidade de intervir. Nesse sentido, se pretendemos que o futuro seja recheado de cidadãos ativos que ambicionam um mundo mais justo e que não fiquem apenas na sua bolha, é fundamental trazer para discussão vários tipos de problemáticas.
De que maneira a sociedade pode e deve trabalhar para garantir esses direitos fundamentais? Seja no continente africano ou em qualquer outro continente.
A nós que, felizmente, vivemos num país em paz, cabe-nos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para dar voz àqueles que não têm a mesma condição. É essencial que procuremos sempre estar informados em relação ao que se passa à nossa volta, mesmo quando a realidade é dolorosa. Só conhecendo essa realidade, conseguiremos dar visibilidade àquilo que de errado se passa.
Estamos todos juntos na criação de um mundo melhor e, por isso, o sofrimento de uns, é o sofrimento de todos. Um futuro melhor está nas nossas mãos e todos nós podemos e devemos fazer a diferença.