Luís de Matos é o ilusionista mais conhecido e reconhecido em Portugal, e em tempos de pandemia continua a reinventar a sua arte, a sua forma de estar com o público e o veículo com que chega até nós.
O Dia Internacional do Mágico celebrou-se no passado domingo, mas a magia e a cultura devem ser celebradas todos os dias, sem data nem horas marcadas e, por isso hoje levantamos um bocadinho do véu do mágico português mais conhecido em Portugal e no mundo.
1 – Nasceu em Moçambique e veio para Portugal com cinco anos. Lembra-se das primeiras impressões que teve sobre Portugal quando chegou de Moçambique?
Sinceramente não posso dizer que tenha uma memória fiel do meu dia-a-dia com essa idade. Tenho imagens que se confundem entre aquelas que de facto me recordo e, aqueles que tomo como minhas por ter visto em fotografias. Da mesma forma que me recordo dos meus primeiros 4 anos em Moçambique por via dos filmes Super 8 que o meu pai fazia.
2 – Ser ilusionista não é a típica profissão que as crianças em tenra idade dizem que querem ter. Como surgiu a ilusão na sua vida?
Há uma fase das nossas vidas em que queremos ser tudo, uma coisa diferente cada dia. O meu primeiro contacto com a magia foi quando integrei um grupo de teatro e variedades e, em que um de nós era mágico. A partir daí o gosto ficou em mim e foi crescendo comigo.
3 – Estudou na Escola Superior Agrária de Coimbra. Procurou nessa formação um plano B à magia, ou não estava nos seus planos fazer do ilusionismo uma profissão?
Estudar foi sempre o plano A, mormente imposto pelos meus pais, a quem hoje agradeço terem escolhido para mim o melhor caminho sempre. Quando acabei a minha formação na Escola Superior Agrária de Coimbra fui convidado a ficar lá a trabalhar, ao mesmo tempo em que já fazia séries de magia na RTP. Chegou um momento em que tive de optar por uma das vias… ganhou a magia.
4 – Quando ou como é que descobriu que a magia e o mundo do espetáculo e o caminho que queria seguir?
É uma escolha que continuo a fazer hoje em dia. No dia em que deixar de ter prazer ou me sentir realizado, ou no dia em que as pessoas deixarem de acompanhar o meu trabalho com interesse, não terei qualquer problema em optar por outra via ou regressar à académica. Alimenta-me o facto de saber que sou o que quero tentar ser todos os dias da minha vida.
5 – É reconhecido nacional e internacionalmente e soma prémios em vários países. Vê nos prémios o expoente máximo do reconhecimento do seu trabalho?
Não, de maneira nenhuma. Os prémios referem-se sempre ao que fizemos até ontem. Concentro-me sempre no que gostava de fazer hoje e amanhã. O reconhecimento do meu trabalho estará sempre no público, nos aplausos e, no facto de regressarem para assistir ao meu próximo espectáculo. Esse é o maior dos reconhecimentos.
6 – É autor de dois livros relacionados com a arte de fazer magia. A FNAC na apresentação que fez do seu livro destacou uma citação sua: “Um livro mágico que revela ilusões surpreendentes ao alcance de todos”. Ensinar esta arte é uma forma de garantir a sua continuidade, mas o facto de a tornar tão acessível não retirará um pouco do mistério associado à magia e ao ilusionismo? As pessoas não ficam desiludidas quando descobrem os truques?
Ninguém fica desiludido ao saber como funciona um piano… Sou contra a divulgação de segredos só porque é “curioso”. Por outro lado sempre disse que, muitas vezes, o público apreciaria mais o que faço se soubesse como se faz. Bem sei que é um pouco contraditório, porém, quando não sabemos o quão difícil algo é custa sempre mais admirar. Além de tudo, não me parece sequer gratificante que me aplaudam só porque eu sei um segredo que eles não sabem. Os segredos e as técnicas são apenas um veículo de criação e partilha de histórias e emoções.
7 – Há muitas pessoas interessadas em aprender e dar continuidade à arte do ilusionismo?
Claro que sim… estamos precisamente a viver um ciclo com o surgimento de imensos novos talentos.
8 – Na ótica do comum espetador os espetáculos correm maioritariamente bem. Mas, há truques perigosos, é comum as pessoas magoarem-se?
Sim, claro. Os espectáculos de magia não podem apresentar-se em playback… Tudo aquilo a que as pessoas vão assistir ainda não aconteceu… pode correr bem ou menos bem…
9 – No seu percurso constam inúmeros programas e espetáculos. Quais são os elementos que nunca podem faltar para num programa ou espetáculo seus para estes serem bem-sucedidos?
Que seja próprio do tempo em que é feito. A contemporaneidade é simultaneamente o mais fácil e o mais difícil de conseguir. O meu novo espectáculo “#CONECTADOS” nunca poderia ter sido criado há dois anos. Da mesma forma que um espectáculo que tenha apresentado nos anos 90 não faria muito sentido hoje em dia.
10 – É inevitável falar na pandemia que o mundo ainda enfrenta. Como vivenciou a adaptação entre a antiga normalidade e esta que exige um distanciamento e o regime de teletrabalho?
2020 foi o ano em que a minha equipa e eu celebrámos 25 anos juntos. A celebração aconteceu, mas pela via da re-invenção. Foi um ano trágico, mas criativamente muito profícuo. Criámos o “Estúdio33 Drive In”, fizemos o festival “LISBOA MÁGICA Street Magic World festival”, realizamos os “ENCONTROS MÁGICOS | Festival Internacional de Magia de Coimbra”, criamos o espectáculo para empresas “Luis de Matos ZOOM” e o primeiro espectáculo 100% híbrido no mundo… o “Luis de Matos #CONECTADOS”.
11 – Neste mês de janeiro o Luís deu um espetáculo adaptado aos tempos estranhos que vivemos, ou seja, à distância. Foi difícil ou está a ser difícil, o processo de unir o artista e os espetadores?
Foi simultaneamente muito desafiante e super gratificante. Sabe bem fazer o que nunca antes foi feito. Foi muito bom perceber que o público aderiu, surpreendeu-se e aplaudiu. Nada mais posso pedir…
12 – Emocionalmente como vive esta distância entre o público e o espetáculo?
É muito difícil. A relação com o público alimenta o nosso dia-a-dia e, quando isso nos é abruptamente retirado só pode ser profundamente doloroso.
13 – A pandemia afeta de uma forma muito particular a cultura. Na manifestação que envolveu agentes da cultura fez questão de se manifestar e marcar a sua posição?
Claro que sim! Temos obrigação de fazer ouvir a nossa opinião. Devemos faze-lo com respeito para não perder a razão, mas não suporto a atitude calculista e egoísta dos que se calam na esperança de que os outros façam por nós, aquilo de que não temos coragem.
14 – Com uma carreira já longa no mundo do espetáculo como vê a evolução da cultura ao longo destes anos de carreira?
A cultura é, infelizmente, o parente pobre da política. A começar pelo Orçamento de Estado (OE) em que o seu peso não chega a 1%. Quando os políticos, quem sabe, um dia, perceberem o poder da cultura vão rapidamente começar a respeita-la.
15 – Por último, para os jovens que pela sua longevidade são o futuro do país e da cultura, tanto enquanto agentes da cultura como enquanto espetadores, que mensagem lhes gostaria de transmitir?
Gostaria de lhes lembrar que a cultura é quem nós somos e como interagimos! A cultura é o que nos define como indivíduos. Vale a pena investir naquilo que nos poderá sempre salvar… a cultura na sua acessão mais plural.