O tom atípico, a ironia cómica, a irreverência e a unicidade que sempre representaram Salvador Sobral, fizeram vibrar cada elemento do público entre gargalhadas e ouvidos atentos na noite de apresentação do álbum Paris, Lisboa.
O ex vencedor da Eurovisão fez o Coliseu dos Recreios seu e ofereceu-o ao público, em melodias que o embalavam em emoção e ternura, com sorrisos no canto da boca e brilho nos olhos. A sua voz enchia, não só o Coliseu, mas também, os corações de quem o ouvia, num entrelace de palavras que tocam a vivência de cada um.
Para apresentar o seu novo álbum Paris, Lisboa, Salvador Sobral levou os espectadores numa viagem cultural com várias línguas espalhadas pelo jazz, pela canção francesa, pela música da América Latina e mesmo pela pop, sem qualquer pudor. Este concerto até a uma improvisação de rap teve direito. Diversidade e surpresas não faltaram.
Iniciou o concerto com Change, o tema em inglês com muito jazz, do antigo disco Excuse me. A língua espanhola começou por ser representada no concerto pelo tema Cerca del Mar, seguindo-se de Presságio, o arranjo do pianista Júlio Resende de “um poema de um gajo chamado Fernando Pessoa” referido, desta forma, por Salvador em tom de brincadeira, que fez entoar gargalhadas em todo o Coliseu.
O álbum que representa o começo de “uma nova vida” esteve também representado na música Paris, Tokio II, composta por Luísa Sobral, a irmã de Salvador, que fala do sentir saudades da sua mulher – a atriz francesa Jenna Thiam – e de como é bom o reencontro.
La Souffleuse, acompanhada por um grupo de instrumentos de cordas, mostrou o lado mais expressivo e teatral do cantor que percorria o palco em frases na língua francesa que interagiam com os músicos.
Com ritmos mais africanos, Salvador expressou-se com gritos animalescos que levaram ao riso do público.
O convidado surpresa da noite foi António Zambujo, que ao som do piano cantou em dueto o tema Mano a Mano, seguido por Só um Beijo, a música originalmente cantada em dueto entre os irmãos Sobral. A intervenção de António Zambujo no espetáculo mostrou a cumplicidade desta amizade, onde as duas canções foram no fim seladas por um abraço apertado.
A diversidade cultural do seu novo álbum e a versatilidade de adaptação e junção de estilos musicais, fizeram da noite uma caixinha de surpresas, onde Salvador Sobral se inclinou para fazer rap ao microfone do piano. Além disto, chegou a ir para o centro da plateia, entre o público, onde cantou sem microfone para o palco, aproveitando-se somente da acústica do Coliseu.
A música vencedora da Eurovisão não faltou neste concerto. Amar pelos dois foi acompanhada por violinos, contrabaixo e piano, na versão original, cantada em uníssono com o público numa ovação em pé. Isto resultou numa euforia de aplausos, que acompanharam o músico no fim de cada tema. Os intervalos eram repletos de gargalhadas do público provocadas pela ironia e humor do artista.
O concerto terminou numa festa, acompanhada por ukulele. Salvador Sobral rodeado pelo público cantou Anda Estragar-me os Planos, tema do Festival da Canção do ano passado na interpretação de Joana Barra Vaz, criado por Francisca Cortesão e Afonso Cabral. Todos se uniram num convívio e dança entre desconhecidos que se juntaram para um desejo só – ouvir Salvador Sobral. Anda Estragar-me os Planos foi cantada nesta abordagem em homenagem à luta pela revolução justa na Venezuela.
O cantor ia desabafando sobre o seu nervosismo com o público, nesta que foi a segunda atuação no Coliseu de Lisboa – sendo que a primeira foi no Festival da Canção em 2017. “Mal eu sabia”, referiu o cantor ao falar desta primeira atuação no Coliseu. Contudo, em momento algum transpareceu o nervosismo do qual falava. Salvador Sobral sentia a música nas suas entranhas, que se apoderava do seu corpo, numa simbiose que unia o cantor ao instrumental e aos seus músicos, como um só. Salvador não era o cantor do espetáculo, era a sua música em autenticidade.
[Foto: Mais Superior]