Tal como os cinéfilos revisitam clássicos da sétima arte, e na música há nomes incontornáveis em toda a segunda metade do século XX, também os amantes de videojogos querem cada vez mais voltar aos títulos que lançaram as bases para aquela que é hoje a indústria de entretenimento mais lucrativa em todo o mundo. Falámos com um historiador de videojogos e com o responsável de comunicação em Portugal de uma das maiores marcas neste setor, para te trazer umas luzes sobre este fenómeno em crescimento a que se chama retrogaming.
A moda do retrogaming… ou talvez não
Diz quem sabe que o retrogaming já existe há muito tempo. A indústria dos videojogos começou em 1974, com o grande boom a surgir nos anos 80, e muitos dos jogadores dessa época – que na altura eram crianças – são agora adultos na casa dos 40 anos. Estas são as primeiras gerações de adultos que cresceram a jogar videojogos, que gostam agora de recuperar os clássicos que cresceram a jogar, e que provavelmente quererão cultivar esse gosto nos seus filhos. Um pouco como os pais que levam os filhos ao futebol.
Mas há vinte anos atrás as pessoas já procuravam videojogos dos anos 70 e 80, quando começaram a ter mais dinheiro disponível para os seus hobbies – como os cromos, as revistas de banda desenhada ou outra coisa qualquer – e que, fruto da entrada na idade adulta, começaram também a sentir nostalgia pelas coisas que viveram na sua infância. Outros até passaram a colecionar videojogos apenas pelo prazer de os preservarem.
Este foi o primeiro grande movimento de retrogaming, e que a partir daí só cresceu, até porque as empresas aperceberam-se de que havia muita gente interessada em jogos antigos.
Uma dessas empresas é a Nintendo, que reúne uma grande comunidade de fãs em torno dos seus jogos e consolas clássicas.
Para que tipo de gamer é o retrogaming?
É relativamente fácil para quem jogou estes videojogos há 20, 30 anos atrás relacionar-se com eles e até voltar a jogá-los. Mas será que os gamers de hoje, habituados ao que os títulos atuais lhes oferecem ao nível gráfico, podem adaptar-se aos jogos de antigamente?
Ivan Barroso é professor, especialista e historiador de videojogos e defende que, não obstante o aspeto datado dos jogos mais “velhinhos”, eles têm muito a ensinar aos jogadores. “Ainda hoje são casos de estudo e exemplos a seguir, sobretudo ao nível do game design e da forma como os níveis de jogo estão construídos.” Um deles é o primeiro Super Mario Bros., de acordo com este guru dos videojogos: “O primeiro nível é perfeito para que os jogadores percebam como se joga aquele jogo, sem ser preciso um tutorial ou dicas no ecrã.”
Apesar disso, de acordo com o Ivan Barroso, poderá ser difícil estes jogos mais antigos cativarem o público mais jovem, desde logo pela componente visual. Para quem joga Overwatch, Rocket League, League of Legends ou outros jogos contemporâneos, a diferença na qualidade gráfica poderá ser demasiado grande: “Os meus alunos até costumam achar piada aos jogos antigos que lhes mostram, mas perdem o interesse rapidamente.”
De showcase tecnológico para quadrados minimalistas e 16 bits de cor
Mas afinal não é suposto os videojogos terem sempre os melhores gráficos possíveis, e exigirem o máximo do poderio gráfico de um computador ou de uma consola? De facto, já Alan Turing (um dos pais do computador moderno) dizia que a forma que o computador tem de realizar o seu potencial máximo é através de um jogo. A própria IBM, nos anos 90, criou um computador dedicado a tentar derrotar o campeão dos campeões de xadrez, Garry Kasparov. Desde sempre que os jogos são usados para testar os limites do computador.
Mas os videojogos também existem – e existem sobretudo – para serem divertidos. E a partir da década de 90, com a chegada da PlayStation, começou a desenhar-se uma nova tendência, de acordo com o Ivan Barroso: “A indústria começou a procurar fazer jogos mais adultos, ou seja, jogos mais complexos e com mais camadas – ou com sangue, ou com violência, ou jogos muito difíceis de completar, por exemplo. Com isso, alterou-se um pouco o paradigma da construção de um videojogo, e começou a deixar de estar no topo das prioridades dos estúdios aquilo que até aí caracterizava os jogos: o facto de serem estupidamente viciantes e divertidos. Foi para isso que foram feitos, e não tinham quaisquer pretensões de parecerem adultos.”
É por isso que, na opinião deste especialista, uma das empresas que melhor faz videojogos é a Nintendo. “Podes pensar que são infantis, mas são super divertidos”, defende. Já Jorge Vieira, responsável de comunicação da Nintendo Portugal, defende que “embora possa parecer uma contradição, a verdade é que a pureza dos clássicos em termos visuais e de jogabilidade é um autêntico regresso a uma idade da inocência em que tudo era mais simples”.
Estarão os videojogos atuais estão a perder jogadores?
Será que esta moda do retrogaming significa que os videojogos dos nossos dias estão a ser menos jogados? Jorge Vieira defende que não é nada disso que se passa: “A indústria de videojogos conheceu um enorme crescimento neste século e essa evolução mantém-se positiva, quer através da introdução de novas consolas, quer pela massificação proporcionada através de tablets e telemóveis.”
Um estudo da Ipsos Media CT and ISFE sobre o consumo de videojogos na Europa parece dar-lhe razão. De acordo com este trabalho, 40 por cento da população joga videojogos, e 1 em 4 adultos joga pelo menos uma vez por semana.
Atualmente, pessoas de todas as idades partilham momentos de diversão a jogar videojogos, sejam pais e filhos, ou netos e avós, porque também cada vez mais consolas e jogos possibilitam que isso aconteça. Jorge Vieira acha que o retrogaming surge “no seguimento e como reflexo” deste reforço da presença dos videojogos na vida das pessoas.
Ivan Barroso concorda que “há muito mais gente a jogar nos dias de hoje. Nos anos 90, por exemplo, chegavas a uma determinada idade em que parecia mal dizeres que jogavas videojogos. Era visto como algo infantil, uma coisa de miúdo. Essa noção esbateu-se muito, e agora também são muitas as mulheres que jogam. Basta apanharmos um metro e observarmos as pessoas à nossa volta: certamente que muitas delas vão estar a jogar.”
Onde encontrar os melhores jogos retro?
Atualmente, são várias as formas de aceder a videojogos retro. A Nintendo, por exemplo, acabou de tornar tudo ainda mais fácil, com as novas versões das consolas Nintendo (NES) e Super Nintendo (SNES) que já trazem ligação HDMI para ligar aos televisores de hoje. E a SEGA também lançou uma versão atualizada da Mega Drive.
Para além disso, há muitos pacotes de jogos à venda nas lojas online das consolas contemporâneas – PlayStation Store e Xbox Store – por preços muito acessíveis. Opções oficiais não faltam, e claro, nos recursos piratas também não.
No caso da Nintendo, também os videojogos lançados nos dias de hoje têm muito de retro, conforme nos explicou o Jorge Vieira: “Se olharmos, por exemplo, para um jogo como Super Mario Odyssey – talvez o jogo mais aguardado deste ano para a Nintendo Switch – vemos que ele retém a jogabilidade clássica de plataformas dos jogos Super Mario, ao mesmo tempo que aponta novas pistas para a exploração livre de cenários.”
Uma coisa parece certa aos especialistas em videojogos: O retrogaming veio para ficar. Por isso é muito provável que daqui a 20 ou 30 anos estejas a mostrar aos teus filhos como eram os jogos de 2017, jogos do tempo em que ainda se usavam controladores.
[Reportagem: Tiago Belim]
[Fotos: Nintendo Portugal]