Se há livro bom para se ler nas férias, é aquele que fala de belas paisagens, de costa e de praia. Paulo Moura é jornalista e atravessou Portugal de norte a sul, sempre virado de frente para o mar, e conta-nos as histórias que povoam o nosso Extremo Ocidental.
Li que investiga mais aprofundadamente sobre cada história, depois de a conhecer de forma espontânea. Como foram então definidos o roteiro e os locais onde parar a mota?
Defini fazer uma viagem pela costa portuguesa, com o objetivo de contar histórias que por lá se passam. O título Extremo Ocidental refere-se ao caráter dessas histórias – histórias da beira-mar, com pessoas que lá vivem.
Numa viagem deste género, nada é planeado, a não ser o percurso que delineei. Acaba por viver do improviso, de coisas que vou vendo e de que escolho falar, mas depois de decidir sobre que história quero falar, concentro-me nela e vou até ao fim.
Havia milhares de histórias para contar. Procurei escolher as melhores, doseando as minhas opções para não deixar de parte nenhuma das várias regiões do nosso litoral.
Nota-se, em boa parte das histórias, a nostalgia, onde se fala daquilo que era e que já não é. Isso é premeditado e tipicamente português, ou é um retrato de uma costa cada vez mais descaracterizada?
Não foi premeditado, até porque não ia com uma ideia predefinida. Mas quando a primeira história com que me deparo é a do Casino de Afife, em Viana do Castelo – um edifício imponente, fechado, e completamente descontextualizado da paisagem envolvente – e encontro mais abaixo a história dos estaleiros de São Jacinto, ou participo na noite de encerramento da discoteca Living Opera, em Santa Cruz, é natural que se possa interpretar dessa forma.
Mas este acaso revela também que há uma zona da costa portuguesa que está em ruínas, e que eu achei interessante por refletir uma espécie de época áurea que já não existe.
E, na sua opinião, é necessário intervir na costa portuguesa para a revitalizar, ou o melhor é não mexer para não desvirtuar o seu estado mais puro?
Há muito essa ideia filosófica do estado natural das coisas, mas a minha opinião é, à partida, contrária a isso. As coisas têm de evoluir de alguma maneira, e o que é preciso é tomar alguns cuidados para evitar que saiam do nosso controlo. Acima de tudo, é necessário olhar para as populações locais, e perceber que, muitas vezes, a opinião pública não é a mesma das pessoas que lá vivem, nem vai ao encontro do que elas valorizam.
Nesta viagem, constatei que o turismo em Portugal – para lá do Porto, de Lisboa e do Algarve – é um mito. São Jacinto, por exemplo, é uma zona lindíssima com um parque de campismo com condições fantásticas, e em agosto estava completamente deserto.
E em relação aos nossos grandes centros turísticos, acha que estão a ser intervencionados da forma mais correta?
Não, não estão. Essas intervenções estão a ser feitas de forma selvagem, com uma política orientada por ninguém, a não ser pelos empresários que identificam oportunidades de negócio. É natural que o turismo acarrete algumas transformações, mas tem de haver um controlo, de forma a proteger o que existe de autêntico nessas cidades, que também acaba por ser o que atrai os turistas.
Isso quer dizer que nos deixamos mudar pelas piores razões?
Historicamente, temos vários exemplos de desaproveitamento dos nossos recursos, numa perspetiva de futuro. Concentramo-nos no momento e falta-nos uma visão estratégica, e o turismo é um exemplo disso. Devíamos aproveitar para criar em quem nos visita o hábito de regressar, dando-lhes motivos de interesse e dando a conhecer vários locais da nossa costa, e isso não está a ser feito.
E nesses locais da nossa costa, encontramos as melhores histórias na tasca e no café central?
Podem estar. Mas estão, com toda a certeza, onde estiverem as pessoas. Depois é falares com elas e estabeleceres contactos que te permitam descobrir uma boa história. Muitas vezes, o que acontece é que, ao investigar sobre uma determinada história, acabo por descobrir outra melhor, e agarro-me a essa. O que é preciso é começar por algum lado, e não andar ali à espera que nos caia qualquer coisa no colo.
Chegado ao final da viagem, quão semelhantes ou diferentes são as gentes de Caminha e de Monte Gordo?
As pessoas, as paisagens, toda a costa portuguesa é muito diversa. O sotaque, a maneira de ver as coisas, a gastronomia, tudo é bastante diferente, e isso reflete aquilo que somos enquanto país. À medida que descemos, vamo-nos apercebendo das várias camadas que existem, e cada uma delas corresponde a uma faixa que atravessa Portugal na horizontal – a praia da Figueira da Foz é a praia das gentes de Coimbra; a praia da Foz do Arelho é a praia das gentes das Caldas da Rainha, e por aí fora.
As pessoas são diferentes também, tanto quanto podem ser, muito por culpa das questões culturais. Às vezes percebes essa diferença numa distância muito curta.
É um apaixonado por música. Se fizesse esta viagem de carro ou de autocaravana, em vez de a fazer de mota, qual seria a banda sonora que escolheria para o acompanhar?
Teria sempre muito a ver com a minha ideia de praia, e com o facto de ter descoberto a relação única que os portugueses têm com a praia. Nós vivemos virados para o mar, e se pensares, vais achar ridículo ver alguém numa esplanada virado de costas para o mar, e há países onde isso é algo perfeitamente normal. Na costa norte da Europa, por exemplo, as gaivotas são vistas como um pássaro horrível, e em Portugal há todo um imaginário a elas dedicado. Há todo um conceito muito positivo associado à praia, e ela é um dos poucos hábitos sociais que temos.
Por tudo isso, escolheria uns Eagles ou uns Beach Boys, algo dentro da onda californiana.
Extremo Ocidental
Autor: Paulo Moura
Editora: Elsinore
Nº de páginas: 320
P.V.P.: 17,69 euros
[Foto: Elsinore]